Tudo, menos uma estrela
O velho jazz está sendo ceifado pela Covid-19. Depois
do pianista Ellis Marsalis e do guitarrista Bucky Pizzarelli, foi
a vez, na semana passada, do saxofonista Lee Konitz, ainda
na ativa aos 92 anos. Os jornais deram a sua morte não por
ter sido um grande músico, mas por “ter tocado com Miles
Davis”, nos discos de um revolucionário noneto1
que, em
1949-50, lançou o cool jazz2
. Era um estilo com raízes na big
band3
de Claude Thornhill, de onde tinham saído, além de
Lee, o sax-barítono Gerry Mulligan e o arranjador Gil Evans,
todos no noneto. Mas só Miles levou a fama.
Lee foi dos poucos sax-altos nascidos no bebop4
que não
tentaram copiar Charlie Parker. Suas frases longas e sem
vibrato eram a antítese de Parker. E, desde então, sempre
esteve na contramão do jazz, gravando discos em que tocava
sozinho, ou com um trio sem piano ou com uma orquestra de
90 figuras.
Ele era tudo, menos uma estrela do jazz. Nunca teve
agente ou assessor de imprensa e, ao morrer, devia ser o
único músico do mundo sem email. O incrível é que, avesso
a qualquer carreira comercial, tenha gravado tanto. Levantei
sua discografia e, de 1949 a 2018, contei 95 álbuns como
líder. Somando-se os de que só participou, são mais setenta.
(Ruy Castro, “Tudo, menos uma estrela”. Folha de S.Paulo,
27.04.2020. Adaptado)
1 Conjunto formado por nove músicos.
2 Estilo que se caracteriza por ser, na maioria das vezes, uma música mais
lenta e mais melancólica. Há mais espaços na música, ela é mais estendida,
e menos notas são tocadas.
3 Indica um grande grupo instrumental associado ao jazz. Constitui-se, basicamente, de 12 a 25 músicos e contém primordialmente 4 tipos de instrumentos.
4 Representa uma das correntes mais influentes do jazz. Seu nome provém
da onomatopeia feita ao imitar o som de martelos que batiam no metal
na construção das ferrovias americanas, gerando uma “melodia” cheia de
pequenas notas.
As informações do texto permitem concluir que Lee Konitz