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ID
5362477
Banca
FEPESE
Órgão
ABEPRO
Ano
2018
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Um idoso na fila do Detran

    “O senhor aqui é idoso”, gritava a senhora para o guarda, no meio da confusão na porta do Detran da Avenida Presidente Vargas, apontando com o dedo o tal “senhor”. Como ninguém protestasse, o policial abriu o caminho para que o velhinho enfim passasse à frente de todo mundo para buscar a sua carteira. Olhei em volta e procurei com os olhos o velhinho, mas nada. De repente, percebi que o “idoso” que a dama solidária queria proteger do empurra-empurra não era outro senão eu.
    Até hoje não me refiz do choque, eu que já tinha me acostumado a vários e traumáticos ritos de passagem para a maturidade: dos 40, quando em crise se entra pela primeira vez nos “enta”; dos 50, quando, deprimido, se sente que jamais vai se fazer outros 50 (a gente acha que pode chegar aos 80, mas aos 100?); e dos 60, quando um eufemismo diz que a gente entrou na “terceira idade”. Nunca passou pela minha cabeça que houvesse uma outra passagem, um outro marco, aos 65 anos. E, muito menos, nunca achei que viesse a ser chamado, tão cedo, de “idoso”, ainda mais numa fila do Detran.
    Na hora, tive vontade de pedir à tal senhora que falasse mais baixo. Na verdade, tive vontade mesmo foi de lhe dizer: “idoso é o senhor seu pai”. O que mais irritava era a ausência total de hesitação ou dúvida. Como é que ela tinha tanta certeza? Que ousadia! Quem lhe garantia que eu tinha 65 anos, se nem pediu pra ver minha identidade? E o guarda paspalhão, por que não criou um caso, exigindo prova e documentos? Será que era tão evidente assim? Como além de idoso eu era um recém-operado, acabei aceitando ser colocado pela porta adentro. Mas confesso que furei a fila sonhando com a massa gritando, revoltada: “esse coroa tá furando a fila! Ele não é idoso! Manda ele lá pro fim!” Mas que nada, nem um pio.
    O silêncio de aprovação aumentava o sentimento de que eu era ao mesmo tempo privilegiado e vítima – do tempo. Me lembrei da manhã em que acordei fazendo 60 anos: “Isso é uma sacanagem comigo”, me disse, “eu não mereço.” Há poucos dias, ao revelar minha idade, uma jovem universitária reagira assim: “Mas ninguém lhe dá isso.” Respondi que, em matéria de idade, o triste é que ninguém precisa dar para você ter. De qualquer maneira, era um gentil consolo da linda jovem. Ali na porta do Detran, nem isso, nenhuma alma caridosa para me “dar” um pouco menos.

VENTURA, Z. Disponível em: <http://www.releituras.com/zven-tura_idoso.asp> Acesso em: 23 de abril/2018. [Adaptado.]

Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ), considerando o texto.

( ) O texto é uma crônica que mescla trechos narrativos e comentários avaliativos.
( ) O texto é escrito com tom crítico e polêmico, pois denuncia o desrespeito com que o idoso é tratado no Brasil.
( ) Todos os acontecimentos mencionados no texto dizem respeito a um momento específico na vida do narrador.
( ) Trata-se de um texto subjetivo, de caráter reflexivo, construído a partir de um assunto do cotidiano.
( ) O autor coloca um toque de humor ao tratar de um acontecimento banal que, aparentemente, não teria significado relevante.

Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.

Alternativas
Comentários
  • Que texto legal.

  • Correto: C

  • gabarito C

    (V) O texto é uma crônica que mescla trechos narrativos e comentários avaliativos. 

    narrativos : “O senhor aqui é idoso”, gritava a senhora para o guarda, no meio da confusão na porta do Detran da Avenida Presidente Vargas, apontando com o dedo o tal “senhor”.

    avaliativos: Como é que ela tinha tanta certeza? Que ousadia!

    (F) O texto é escrito com tom crítico e polêmico, pois denuncia o desrespeito com que o idoso é tratado no Brasil.

    Nada..

    (F) Todos os acontecimentos mencionados no texto dizem respeito a um momento específico na vida do narrador.

      Até hoje não me refiz do choque, eu que já tinha me acostumado a vários e traumáticos ritos de passagem para a maturidade: dos 40, quando em crise se entra pela primeira vez nos “enta”; dos 50, quando, deprimido, se sente que jamais vai se fazer outros 50 (a gente acha que pode chegar aos 80, mas aos 100?); e dos 60, 

    (V) Trata-se de um texto subjetivo, de caráter reflexivo, construído a partir de um assunto do cotidiano.

    (V) O autor coloca um toque de humor ao tratar de um acontecimento banal que, aparentemente, não teria significado relevante.

    Na verdade, tive vontade mesmo foi de lhe dizer: “idoso é o senhor seu pai”. O que mais irritava era a ausência total de hesitação ou dúvida.