Instrução: Leia o texto e responda à questão.
2020
E vamos nós para o ano vinte-vinte, na esperança de que a repetição dos números signifique alguma
coisa. Vivemos sempre com a expectativa que uma anomalia, qualquer anomalia, qualquer ruptura com o
normal – como um ano com números reincidentes – seja um sinal. Estão querendo nos dizer alguma coisa.
Quem, e o quê? Os avisos chegam de todos os lados, caberia a nós entendê-los. A Terra fala conosco por
meio dos seus desastres naturais: terremotos e vulcões seriam recados a serem decifrados. A História fala
conosco por meio dos seus intérpretes. E o Universo se dirige a nós pelos astros.
As pessoas procuram nos astros a evidência de que não estão sozinhas, que algo guia seus passos e
orienta sua vida – de longe, bem longe. A persistente crença em astrologia, apesar da dificuldade em
conciliar seus princípios e sua linguagem com o bom senso, não tem explicação – ou só se explica pela
renúncia à racionalidade que também é uma forma de buscar uma direção na vida, venha ela de onde vier,
das religiões ou de Júpiter.
História pessoal, que já contei mais de uma vez: quando comecei a trabalhar na imprensa, há 200
anos, fazia de tudo na redação, depois de passar o dia no meu outro emprego de redator de publicidade. Um
dia me pediram para fazer o horóscopo, já que o astrólogo profissional insistia em ganhar um aumento, uma
reivindicação irrealista, dadas as condições do jornal. Como eu já fazia de tudo na redação, comecei a fazer
o horóscopo também. Todos os dias inventava o destino das pessoas e distribuía as previsões e os conselhos
pelos 12 signos do zodíaco.
O horóscopo era a última coisa que eu fazia no jornal antes de ir me encontrar com a Lucia e, se
tivéssemos sorte, ir a um cinema, de modo que meu horóscopo era sempre feito às pressas, e com a escassa
energia que sobrava depois de um dia fazendo de tudo, na agência de publicidade e na redação. E então bolei
uma solução genial para liquidar o horóscopo em pouco tempo e ir embora. Como era óbvio que as pessoas
só querem saber o texto do seu próprio signo e não o dos outros, comecei a fazer um rodízio: mudava os
textos de signo e de lugar. O que um dia era o texto para libra no dia seguinte era para sagitário, etc.
Ninguém iria notar a trapaça sideral, os deuses me perdoariam.
Não demorou para que o editor do jornal me chamasse. Tinha muita gente reclamando do horóscopo.
O que eu pensava que era óbvio não era. Minha pseudoesperteza tinha sido descoberta, aparentemente todo
o mundo lê todo o horóscopo todos os dias. Minha breve carreira de astrólogo terminou ali. Mas eu só queria
dizer que, mesmo quando era eu que escrevia os textos, nunca deixava de olhar para ver o que libra
reservava para meu futuro. Fazer o quê? Precisamos de uma direção na vida, venha ela de onde vier.
(Veríssimo, L. F. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br. Acesso em: 23/01/2020.)
No trecho História pessoal, que já contei mais de uma vez: quando comecei a trabalhar na imprensa, há
200 anos, fazia de tudo na redação, depois de passar o dia no meu outro emprego de redator de
publicidade, a expressão sublinhada exemplifica o seguinte recurso linguístico: