- ID
- 5414512
- Banca
- Instituto Consulplan
- Órgão
- Câmara de Amparo - SP
- Ano
- 2020
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Um Band‐Aid na alma
Não gosto de escrever sobre datas marcadas, mas às
vezes acontece. Em cada virada de ano somos sacudidos por
sentimentos positivos e negativos quanto a essas festas que
para muitos são tormento.
Vale a história do copo meio cheio ou meio vazio. Para
alguns é tempo de melancolia: choramos os que morreram,
os que nos traíram, os que foram embora, os desejos
frustrados, os sonhos perdidos, a fortuna dissipada, o
emprego ruim, o salário pior ainda, a família pouco amorosa,
a situação do país, do mundo, de tudo.
Se formos mais otimistas, encararemos o ano passado,
a vida passada, o eu que já fomos, como transições naturais.
Não é preciso encarar a juventude, os primeiros sucessos, o
começo de uma relação que já foi encantada, como perda
irremediável: tudo continua com a gente.
Em lugar de detestar estes dias, podemos inventar e
até curtir qualquer celebração que reúna amigos ou família.
Não é essencial ser religioso: se os sentimentos, a família, as
amizades, a relação amorosa forem áridos, invocar Deus não
vai adiantar. Mas celebrar é vital – e nada como algumas
datas marcadas para lembrar que a vida não é apenas luta;
é também a possível alegria.
Não precisa ser com champanhe caro nem presentes
que vão nos endividar pelo ano inteiro: basta algum gesto
afetuoso verdadeiro, um calor humano que abrande aquelas
feridas da alma que sempre temos.
Quanto aos projetos, é melhor evitar aquela lista de
impossíveis. Importa cuidar mais da relação, ser mais gentil
com os pais e menos crítico com os filhos, falar mais com os
amigos, sair da redoma da amargura e abrir‐se para o outro.
Ser fiel, ser sincero, ser bondoso: a primeira coisa num
namorado ou namorada, eu dizia sempre a meus filhos e
hoje digo aos netos, é que seja uma boa pessoa, leal, gentil.
O grosseiro é inadmissível. O ignorante é uma tristeza. O
falso, cínico ou infiel, é bom manter longe. Mas ainda que
sem brilho, um bom amor, um bom amigo, um bom pai e
mãe, um bom filho, fazem a festa.
Que faça sorrir. Mesmo para os descrentes, nestes dias
algo mágico circula por este mundo nem sempre bonito nem
bom. Mas, se nosso projeto for o eterno perder 10 quilos,
conseguir (isso não se consegue, acontece…) uma namorada
gostosa ou um marido rico – ou, quem sabe, uma parceira
carinhosa –, ganhar na loteria, vingar‐se dos desafetos e
mostrar quem é o bom, é melhor esquecer: não valerão a
pena a festa nem o novo ano, pois vai ser tudo mentira, oco
e vazio.
Vale mandar um pensamento, e, se for o caso, uma
oração, aos que vivem privações emocionais ou materiais, que trabalham além do humanamente suportável, que
perderam o amor de sua vida ou um filho amado, que foram
esquecidos e decepcionados, que nesta data não vão
escutar nem uma voz cálida ao telefone.
Vamos nos permitir, sobretudo, a alegria perdida no
cansaço de tanta correria. Ela ainda existe: sabendo procurar,
a gente a encontra.
(Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo‐setti/tag/lya‐
luft/. Acesso em: 09/01/2019. Com adaptações.)
Segundo as ideias do texto, podemos depreender que a autora: