SóProvas


ID
5455849
Banca
VUNESP
Órgão
EsFCEx
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

    Trágico vem do grego tragos, que quer dizer bode, um animal para o sacrifício. Trágico também remete ao panteão grego dos deuses e moiras, estas, as velhas quase cegas que tecem o tecido do destino dos mortais e dos deuses. De nós, mortais, esse destino diz que, ao final, pouco importam nossas virtudes ou vícios, pois seremos todos sacrificados: fracassaremos na vida porque morreremos, e o universo nos é indiferente. Somos o único animal que carrega o cadáver nas costas a vida inteira, isto é, que tem consciência da morte. Segundo o antropólogo Ernest Becker, em seu maravilhoso livro Negação da morte, tivemos que sobreviver à violência de dois meios ambientes: o externo, como todo animal, e o interno, nossa consciência prévia da inviabilidade da vida.

    Quando a filosofia abandona o universo religioso grego trágico (embora muitos filósofos nunca o façam plenamente), esse destino violento e cego assume a forma da crença num Acaso cego como fundo da realidade, ou seja, não há qualquer providência divina que faça, ao final, qualquer sentido. Vagamos por um mundo indiferente, combatendo um combate inglório, sem reconhecimento cósmico. No mundo contemporâneo, por exemplo, a teoria darwinista abraçará essa visão sombria do destino de tudo que respira sobre a Terra.

    Essa imagem de que tudo no fundo é acaso aparece, por exemplo, em autores como Maquiavel, em seu clássico O príncipe. Como todo autor de sua época, ele chama o Acaso cego de “Fortuna”. O outro conceito que ele trabalha é o de “Virtú” (tradução do termo grego “Aretê”, que significa virtude, força).

    Quais são as características de “um príncipe virtuoso”? Ele observa o comportamento das pessoas e percebe que a maioria sempre é previsível, medrosa, interesseira e volúvel. A marca da vida é a precariedade, e isso horroriza as almas fracas. O medo é frequente, e o amor, raro. A traição, uma banalidade; a fidelidade, um milagre. Ele sabe que deve amar sua esposa (ou marido, se for uma “princesa”), mas confiar apenas em seu cavalo. E que deve antes ser temido do que amado, porque o amor cobra constantes provas e tem vida curta, enquanto o medo pede pouco alimento e tem vida longa. Acima de tudo, o virtuoso é um solitário porque é obrigado a viver num mundo devastado por uma consciência mais radical e mais violenta do que os outros mortais. Nesse universo é que ele tomará suas decisões. Não pode sonhar com um mundo que não existe, nem contar com pessoas que vivem de ilusões.

    Ainda que vivamos em épocas dadas a papos furados como “humanismo em gestão empresarial”, é nesse mesmo universo que são tomadas as decisões de quem tem por destino ser responsável por muita gente e muitos lucros. Do “príncipe” atual, longamente exposto às fraquezas humanas, é exigida a dor da lucidez, do silêncio e da solidão. A crueldade do mundo é parte de seu café da manhã, e a efemeridade do sucesso é seu pesadelo cotidiano. 


(Luiz Felipe Pondé, O trágico cotidiano. Disponível em: https://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br. Acesso em 28.06.2021. Adaptado)

Observando-se a estrutura morfossintática do período, a expressão destacada na passagem – Será mesmo que as redes sociais, a falta de tempo e o não gostar são fatores principais para essa triste verdade? – tem equivalente em:

Alternativas
Comentários
  • Esta é uma questão sobre as funções morfossintáticas da palavra mesmoNo enunciado, a palavra mesmo relaciona-se ao verbo e é empregada com sentido de realmente, de fato. Será realmente que as redes sociais, a falta de tempo e o não gostar são fatores principais para essa triste verdade?

    Por estar associada ao verbo, a palavra foi empregada como advérbio e exerce a função sintática de adjunto adverbial de afirmação.

    A) Então ele falou com você usando o mesmo tom de deboche usado comigo?
    Incorreto. Além de advérbio, a palavra mesmo também pode ser empregada como adjetivo quando for equivalente a exato, semelhante ou de igual valor. Nesse caso, vemos que a palavra é empregada modificando o substantivo tom. Então ele falou com você usando o exato tom de deboche usado comigo? Como ela não é empregada como advérbio, pode ser descartada.

    B) Seu sucesso vai mesmo assombrar a todos.
    Correto. Se substituirmos mesmo por realmente, vemos que o sentido da frase fica preservado, demonstrando dessa forma que se trata de um advérbio. Seu sucesso vai realmente assombrar a todos. O termo é empregado modificando o verbo assombrar.

    C) Ele vai ser generoso comigo como foi consigo mesmo?
    Incorreto. Aqui, o termo foi empregado como palavra denotativa, acrescentando sentido de inclusão. É sinônimo de até ou inclusive. Ele vai ser generoso comigo como foi consigo inclusive?

    D) Está sozinho; mesmo os que se diziam amigos se afastaram dele.
    Incorreto. Nessa alternativa, a palavra foi empregada também como palavra denotativa. O termo acrescenta apenas o sentido de inclusão, não está associado ao verbo e não possui função sintática. Se substituirmos por até ou inclusive, veremos que o seu sentido permanece inalterado: Está sozinho; inclusive / até os que se diziam amigos se afastaram dele. 

    E) Hoje mesmo teremos os resultados da auditoria.
    Incorreto. Novamente, o termo mesmo foi empregado como palavra denotativa de inclusão. Hoje inclusive teremos os resultados da auditoria. 

    Além de advérbio, adjetivo e palavra denotativa de inclusão, o termo mesmo também pode ser empregada como:
    - pronome demonstrativo: Equivalente a próprio. Acompanha o pronome reto ou um substantivo. É utilizado como reforço e exerce a função sintática de adjunto adnominal. Ela mesmo fez as considerações finais.

    - conjunção: São empregadas em orações subordinadas com sentido de concessão. É equivalente a embora. Mesmo saindo cedo, chegou tarde ao local de trabalho. 

    - substantivo: Equivalente a mesma coisa ou a mesma pessoa. Em geral, é precedido de artigo como os demais substantivos. Depois do acidente, ele nunca mais foi o mesmo.

    Gabarito da Professora: Letra B