Leia o texto abaixo para responder à questão.
Torre de Babel – história baseada em fatos reais (só que ao contrário)
O mito da Torre de Babel conta por que existem tantas línguas no mundo. Nele,
uma população unida e monolíngue decide construir uma torre que alcance o céu. Deus,
irritado com a prepotência das pessoas, confunde a língua delas para que não se
entendam mais e espalha as línguas pelo mundo.
Mito linguístico por trás dessa história: falar uma língua é o ideal. Falar muitas
línguas é ruim, pois confunde e separa.
A narrativa de Babel talvez seja uma alegoria do que realmente pode ter ocorrido
com as línguas humanas, só que os autores entenderam errado: não foram as muitas
línguas que causaram a separação das pessoas, mas a separação é que deu origem a
muitas línguas.
Quanto mais falantes uma língua houver e mais espalhados geograficamente
estiverem, mais distantes se tornarão seus jeitos de se comunicar. Grupos separados e
em contextos diferentes acabam adaptando a língua às suas realidades particulares e,
com o tempo, a diferença entre seus dialetos se torna tão grande que um grupo já não
compreende mais o outro. Temos, então, duas novas línguas. Foi mais ou menos assim
que o latim se tornou português, espanhol, francês, italiano e outras vinte e poucas
línguas. O processo é acelerado quando falantes de línguas diferentes entram em
contato, pois elas incorporam elementos umas das outras, e daí às vezes nascem novas
línguas. A língua crioula haitiana surgiu mais ou menos assim.
De volta ao mito, é importante esclarecer que, ainda que todas as línguas do
mundo venham de uma só língua (não a de Babel, claro), isso ocorreu muito antes do
surgimento de qualquer sociedade organizada. E é muito provável que tenham sido
diversas “línguas-originais”, já que por mais de 2 milhões de anos (95,5% da existência
dos humanos), fomos apenas vários bandos pequenos de caçadores-coletores nômades
e desencontrados. A escrita só surgiu há 5 mil anos. Se a história da humanidade fosse
uma pessoa completando 70 anos hoje, é como se ela só tivesse aprendido a ler e
escrever um mês e meio antes desse aniversário.
A crença por trás de “uma língua = ordem; mais de uma língua = desordem” tem a
ver com poder e dominação. É mais fácil controlar os subjugados se todos falam uma só
língua – melhor ainda se for a do dominador. Essa crença alimenta outro mito: o de uma
nação, uma língua. Embora a maior parte do mundo seja bilíngue e praticamente todos os
países tenham mais de uma língua, a ideia que querem que compremos é a de que cada
país fala uma língua: no Reino Unido é o inglês, na Itália é o italiano e no Brasil é o
português. Deixemos essas fake news de lado e prestemos atenção aos fatos: no Reino
Unido se fala inglês e outras 15 línguas, na Itália se fala italiano e outras 34 línguas e no
Brasil se fala português, pomerano, talian, kaingang e outras 214 línguas. Sim, mais de
duzentas!
[...]
Ah! Só mais uma coisinha: no mito de Babel, Deus não amaldiçoou as pessoas ao
lhes dar muitas línguas. Ele as salvou do tirano monolíngue que queria que construíssem
uma torre para chegar a lugar nenhum.
Autor: Renan Castro Ferreira. Graduado em Letras – Licenciatura em Língua Inglesa e Literatura (2010) e
Mestre em Letras – Estudos da Linguagem (2018) pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/tesouro-linguistico/2021/06/.
Sobre o texto “Torre de Babel – história baseada em fatos reais (só que
ao contrário)”, afirma-se:
I. Quanto maior o número de falantes de uma língua, mais distantes geograficamente
ficarão e por isso nascem línguas diferentes as quais incorporam elementos umas
das outras.
II. Falar somente uma língua para evitar confusão e separação das pessoas constitui
um mito linguístico e não corresponde à realidade do Brasil, país linguisticamente
heterogêneo.
III. Para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa, então, livrar-se de vários
mitos, por exemplo, o de que existe uma forma “correta” de falar, o de que o
brasileiro fala mal o português, o de que a fala de uma região é melhor do que a de
outras.
Está/estão CORRETA(S) a(s) afirmativa(s):