SóProvas


ID
5489977
Banca
IUDS
Órgão
IF-RJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Olhos d’água (Fragmento)
Sendo a primeira de sete filhas, desde cedo, busquei dar conta de minhas próprias dificuldades, cresci rápido, passando por uma breve adolescência. Sempre ao lado de minha mãe aprendi conhecê-la. Decifrava o seu silêncio nas horas de dificuldades, como também sabia reconhecer em seus gestos, prenúncios de possíveis alegrias. Naquele momento, entretanto, me descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seriam os seus olhos. Eu achava tudo muito estranho, pois me lembrava nitidamente de vários detalhes do corpo dela. Da unha encravada do dedo mindinho do pé esquerdo... Da verruga que se perdia no meio da cabeleira crespa e bela... Um dia, brincando de pentear boneca, alegria que a mãe nos dava quando, deixando por uns momentos o lava-lava, o passa-passa das roupagens alheias, se tornava uma grande boneca negra para as filhas, descobrimos uma bolinha escondida bem no couro cabeludo ela. Pensamos que fosse carrapato. A mãe cochilava e uma de minhas irmãs aflita, querendo livrar a boneca-mãe daquele padecer, puxou rápido o bichinho. A mãe e nós rimos e rimos e rimos de nosso engano. A mãe riu tanto das lágrimas escorrerem. Mas, de que cor eram os olhos dela?
Eu me lembrava também de algumas histórias da infância de minha mãe. Ela havia nascido em um lugar perdido no interior de Minas. Ali, as crianças andavam nuas até bem grandinhas. As meninas, assim que os seios começavam a brotar, ganhavam roupas antes dos meninos. Às vezes, as histórias da infância de minha mãe confundiam-se com as de minha própria infância. Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento. As labaredas, sob a água solitária que fervia na panela cheia de fome, pareciam debochar do vazio do nosso estômago, ignorando nossas bocas infantis em que as línguas brincavam a salivar sonho de comida. E era justamente nos dias de parco ou nenhum alimento que ela mais brincava com as filhas. Nessas ocasiões a brincadeira preferida era aquela em que a mãe era a Senhora, a Rainha. Ela se assentava em seu trono, um pequeno banquinho de madeira. Felizes colhíamos flores cultivadas em um pequeno pedaço de terra que circundava o nosso barraco. Aquelas flores eram depois solenemente distribuídas por seus cabelos, braços e colo. E diante dela fazíamos reverências à Senhora. Postávamos deitadas no chão e batíamos cabeça para a Rainha. Nós, princesas, em volta dela, cantávamos, dançávamos, sorríamos. A mãe só ria, de uma maneira triste e com um sorriso molhado... Mas de que cor eram os olhos de minha mãe? Eu sabia, desde aquela época, que a mãe inventava esse e outros jogos para distrair a nossa fome. E a nossa fome se distraía.
Conceição Evaristo (Olhos d’água, p. 15-19)

Em relação ao texto lido, assinale a alternativa que contrapõe à leitura do mesmo: 

Alternativas
Comentários
  • Ela não cita nenhuma vez os ancestrais em África

  • Que história triste :(

  • Assertiva C

    É construído em 3ª pessoa, onde a narradora-personagem sugere um viés de proximidade com uma narrativa autobiográfica.

  • Se está em terceira pessoa, como pode ser narrador-personagem?

  • Essa história dói.

  • Fiquei tão triste com a história que perdi o foco da questão.

  • Tá, Gabarito C, ok!

    Mas em que momento o texto diz ou infere que a narradora precisa descobrir a cor dos olhos de sua mãe, pois, somente dessa forma, conseguirá enxergar a si mesma?

    A única parte que consegui achar no texto foi culpa por não se lembrar, mas precisar descobrir a cor dos olhos para conseguir enxergar a si mesma??

    • "Naquele momento, entretanto, me descobria cheia de culpa, por não recordar de que cor seriam os seus olhos."
  • Mestra em Letras na UFRJ, Coordenadora e Professora Aposentada de Português do Colégio Pedro II-RJ: "Há efetivamente duas questões Incorretas"

  • Em nemhum momento é mencionado ancestrais da Africa.

    "Da verruga que se perdia no meio da cabeleira crespa e bela... Um dia, brincando de pentear boneca, alegria que a mãe nos dava quando, deixando por uns momentos o lava-lava, o passa-passa das roupagens alheias, se tornava uma grande boneca negra para as filhas, descobrimos uma bolinha escondida bem no couro cabeludo ela. Pensamos que fosse carrapato"

    Aonde tem referencias para ancestrais na passagem ??

    E outra negro necessariamente teria que fazer referencia a ancestrais, ainda mais africanos ??

    Uma das questões mais sem sentido que já vi, mas segue o jogo.

  • Boa tarde a todos é uma história triste

  • Matamos a questão na alternativa onde se fala 3ª pessoa do plural, pois se observarmos na primeira linha do texto, a narradora diz ''busquei dar conta das minhas próprias dificuldades''..

  • A professsora responde no vídeo que tem duas afirmações erradas, que são item A e item C

  • fiquei "catando" a áfrica no texto, implícita ou explicitamente... Tá certo que o texto remete a primeira pessoa: Busquei, eu me lembrava, etc

  • o enunciado da questão pede a opção que contrapõe na história, ou seja a questão errada.
  • Ancestrais africanos?