SóProvas


ID
5559097
Banca
CESPE / CEBRASPE
Órgão
SEDUC-AL
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Teoria do medalhão

(diálogo)


    — Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que, meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de agosto de 1854, vinhas tu à luz, um pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros...

     — Papai...

     — Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios. Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino. (...) Mas qualquer que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. (...)

     — Sim, senhor.

     — Entretanto, assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.

     — Creia que lhe agradeço; mas que ofício, não me dirá?

     — Nenhum me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende. (...)

     — Entendo.

     — Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente (...).

     — Mas quem lhe diz que eu...

    — Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. Não me refiro tanto à fidelidade com que repetes numa sala as opiniões ouvidas numa esquina, e vice-versa, porque esse fato, posto indique certa carência de ideias, ainda assim pode não passar de uma traição da memória. Não; refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete, das dimensões de um chapéu, do ranger ou calar das botas novas. Eis aí um sintoma eloquente, eis aí uma esperança. No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as soframos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.


Machado de Assis. Teoria do medalhão. In: 50 contos escolhidos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 82-83 (com adaptações).  

Considerando o texto Teoria do medalhão e o conjunto da obra de Machado de Assis, julgue o item a seguir, quanto à relação entre a ironia machadiana e o veio satírico presente em obras de diferentes contextos e épocas da literatura brasileira.


A presença discreta do narrador onisciente, mediando o conflito entre pai e filho, conduz o leitor a tomar posição em favor dos argumentos paternos, uma vez que esses coincidem com o ponto de vista assumido pelo narrador.

Alternativas
Comentários
  • A QUESTÃO COBROU DO CANDIDATO HABILIDADE EM COMPREENSÃO TEXTUAL

    Extrapolação: ocorre quando fazemos associações que estão além dos limites do texto, quando acrescentamos ideias que não estão no texto analisado. 

    No caso em tela, não há presença de um narrador considerando que os os diálogos acontecem por meios de discursos diretos sucessivamente, tampouco há elementos capazes de conduzir o leitor a tomar posição em favor dos argumentos paternos, houve EXTRAPOLAÇÃO.

    Gabarito: Errado

  • GAB [Errado]✓ não tem conflito nenhum, muito menos narrador. é um diálogo entre pai e filho.
  • O texto é todo ele um diálogo direto e não há nenhum trecho em que o narrador se faça presente.

    Também não há um convite a se adotar os argumentos do pai. Pelo contrário, o texto nos estimula a descortinar a ironia que Machado imprime ao texto através de toda a fachada argumentativa muito bem construída pelo pai, desvendando o absurdo daquilo que ele está defendendo.

  •  Uma vez que esses coincidem com o ponto de vista assumido pelo narrador???

    Extrapolação.

  • Questão errada.

    • narrador-personagem conta na 1ª pessoa a história da qual participa também como personagem. ...
    • narrador-observador conta a história do lado de fora, na 3ª pessoa, sem participar das ações. ...
    • narrador-onisciente conta a história em 3ª pessoa e, às vezes, permite certas intromissões narrando em 1ª pessoa.
  • ERRADO, MOTIVO: Não há presença de conflito algum, na verdade, o filho vai concordando com tudo que seu pai diz; o narrador não fica do lado de ninguém, pois, como já foi dito, o filho está de acordo com o conselho do pai.
  • Essa questão acertei ,mas o primeiro tenho a opinião que o texto leva-nos a  tomar posição em favor dos argumentos paternos ( As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as soframos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.)

    Agora não vejo o ponto de vista do narrador assumido ou ficando do lado de ninguém!!

  • Ora, não há narrador, já havia notado. A presença dos travessões bem indica isso, o trecho trata-se de um diálogo apenas.

  • Não há narrador
  • Não tem conflito nenhum, muito menos narrador. É um diálogo entre pai e filho.