A história do futebol brasileiro contém, ao longo de um século, registros de episódios
racistas. Eis o paradoxo: se, de um lado, a atividade futebolística era depreciada aos
olhos da “boa sociedade” como profissão destinada aos pobres, negros e marginais, de
outro, achava-se investida do poder de representar e projetar a nação em escala mundial.
A Copa do Mundo no Brasil, em 1950, viria a se constituir, nesse sentido, em uma rara
oportunidade. Contudo, na decisão contra o Uruguai sobreveio o inesperado revés. As
crônicas esportivas elegiam o goleiro Barbosa e o defensor Bigode como bodes
expiatórios, “descarregando nas costas” dos jogadores os “prejuízos” da derrota. Uma
chibata moral, eis a sentença proferida no tribunal dos brancos. Nos anos 1970, por não
atender às expectativas normativas suscitadas pelo estereótipo do “bom negro”, Paulo
César Lima foi classificado como “jogador-problema”. Ele esboçava a revolta da chibata
no futebol brasileiro. Enquanto Barbosa e Bigode, sem alternativa, suportaram o
linchamento moral na derrota de 1950, Paulo César contra-atacava os que pretendiam
condená-lo pelo insucesso de 1974. O jogador assumia as cores e as causas defendidas
pela esquadra dos pretos em todas as esferas da vida social. “Sinto na pele esse racismo
subjacente”, revelou à imprensa francesa: “Isto é, ninguém ousa pronunciar a palavra
‘racismo’. Mas posso garantir que ele existe, mesmo na Seleção Brasileira”. Sua ousadia
consistiu em pronunciar a palavra interdita no espaço simbólico do discurso oficial para
reafirmar o mito da democracia racial.
Disponível em: https://observatorioracialfutebol.com.br. Acesso em: 22 jun. 2019 (adaptado).
O texto atribui o enfraquecimento do mito da democracia racial no futebol à