Estojo escolar
Rio de Janeiro — Noite dessas, ciscando num desses canais a cabo, vi uns caras
oferecendo maravilhas eletrônicas, bastava telefonar e eu receberia um notebook capaz
de me ajudar a fabricar um navio, uma estação espacial.
[…] Como pretendo viajar esses dias, habilitei-me a comprar aquilo que os caras
anunciavam como o top do top em matéria de computador portátil.
No sábado, recebi um embrulho complicado que necessitava de um manual de
instruções para ser aberto.
[…] De repente, como vem acontecendo nos últimos tempos, houve um corte na
memória e vi diante de mim o meu primeiro estojo escolar. Tinha 5 anos e ia para o jardim
de infância.
Era uma caixinha comprida, envernizada, com uma tampa que corria nas bordas do
corpo principal. Dentro, arrumados em divisões, havia lápis coloridos, um apontador, uma
lapiseira cromada, uma régua de 20 cm e uma borracha para apagar meus erros.
[…] Da caixinha vinha um cheiro gostoso, cheiro que nunca esqueci e que me
tonteava de prazer.[…]
O notebook que agora abro é negro e, em matéria de cheiro, é abominável. Cheira
vilmente a telefone celular, a cabine de avião, a aparelho de ultrassonografia onde outro
dia uma moça veio ver como sou por dentro. Acho que piorei de estojo e de vida.
CONY, C. H. Crônicas para ler na escola. São Paulo: Objetiva, 2009 (adaptado).
No texto, há marcas da função da linguagem que nele predomina. Essas marcas são responsáveis por colocar em foco o(a)