Nem guerras, nem revoltas. Os incêndios eram o mais frequente tormento da vida
urbana no Regnum Italicum. Entre 880 e 1080, as cidades estiveram constantemente
entregues ao apetite das chamas. A certa altura, a documentação parece vencer pela
insistência do vocabulário, levando até o leitor mais crítico a cogitar que os medievais
tinham razão ao tratar aqueles acontecimentos como castigos que antecediam o
julgamento final. Como um quinto cavaleiro apocalíptico, o incêndio agia ao feitio da peste
ou da fome: vagando mundo afora, retornava de tempos em tempos e expurgava justos e
pecadores num tormento derradeiro, como insistiam os textos do século X. O impacto
acarretado sobre as relações sociais era imediato e prolongava-se para além da
destruição material. As medidas proclamadas pelas autoridades faziam mais do que
reparar os danos e reconstruir a paisagem: elas convertiam a devastação em uma
ocasião para alterar e expandir não só a topografia urbana, mas as práticas sociais até
então vigentes.
RUST, L. D. Uma calamidade insaciável. Rev. Bras. Hist., n. 72, maio-ago. 2016 (adaptado).
De acordo com o texto, a catástrofe descrita impactava as sociedades medievais por
proporcionar a