SóProvas


ID
5567644
Banca
INSTITUTO AOCP
Órgão
Prefeitura de Belém - PA
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

DOCE

    Lembrasse antes quanto tempo gastaria na beira do fogão mexendo o doce de abóbora e Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua. Depois, o cheiro de algo que nem recordava parece que está aqui, dentro das narinas. Os ingredientes, todos comprados, a panela na mão. Só na hora de mexer o doce é que a gente lembra, com esse misto de cansaço e tristeza, que o doce é feito de mexer o doce. É feito do braço girando, girando, o outro braço solto escorado na anca, o peso do corpo passando da perna de cá pra de lá.

    O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. E Maria nunca foi de voltar atrás, mesmo com o que era bom só na primeira mordida e depois deixava um retrogosto amargo – na boca ou no jeito de olhar. Maria que nem puxa-puxa, presa às escolhas e caminhos e ao que por vezes não foi tão escolha quanto foi acaso.

    Bem que às vezes queria ser pássaro solto, escolher caminhos. A cozinha fica pequena da falta que voar livre faz, as paredes suam. Tudo o que é sonho vai evaporando do seu corpo, a pele fica grossa, dura. O açúcar carameliza angústias. E Maria pensa se não seria melhor ter virado cambalhota por sobre um ou outro acontecimento, em vez de vivê-los todinhos.

    O marido mesmo. Ela cansava de topar com ele encostado no sofá, vendo TV. Ia de um canal para o outro, como se não estivesse ali. Queria que estivesse. Que contasse uma bobagem que aconteceu no trabalho ou na rua, que atentasse ao gosto novo no doce que ela fez, “cê colocou coco?”, “que cheiro diferente, que foi que cê botou aí?”, qualquer coisa. Qualquer coisa que fizesse com que os dois parecessem vivos, que parecessem ligados, nem que pelo diferente do hoje no doce sempre igual.

    Tomasse uma atitude agora, talvez a coisa toda desembrulhasse diferente. Ela botaria uma roupa bonita e dançaria pela casa, pintaria a cara toda faceira e vibrante e mostraria para ele que ainda era mulher, poxa vida, ainda sou bem mulher! [...] 

    Também podia ir embora, pegar as meninas e as próprias coisas e voltar para a casa da mãe. Ou podia queimar esse doce, derrubar panela, fazer escândalo. Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse corde-laranja borbulhando na panela. [...]

PRETTI, Thays. A mulher que ri. São Paulo: Editora Patuá, 2019.

Assinale a alternativa correta a respeito do seguinte excerto: “Pedir tenência, uma mudança, alguma coisa que mostrasse que ainda estava viva, viva! Vibrante como esse cor-de-laranja borbulhando na panela.”. 

Alternativas
Comentários
  • Errei na força do ódio por responder a pergunta dessa.

  • Acho que dizer sobre estado mental é extrapolar a interpretação nessa passagem do texto, não consegui inferir nada em relação ao estado mental da personagem, somente emocional. Caso eu esteja errado, me corrijam.

  • Gabarito D para não.assinantes.

  • " cor-de-laranja" é uma metonímia.

    O estado físico do doce representa o estado mental/emocional da personagem. Constata-se pela Comparação ("Vibrante COMO esse cor-de-laranja borbulhando na panela"

    Obs: Também concordo que não fica explícito o "estado mental" !

  • tenência - ato de conter-se de dominar-se

  • Os examinadores elaboram as questões para eles mesmos ... Só pode !!!!

  • meu Deus

  • alguem explica, por favor? kkkkkk meu Deus. Marquei D

  • Estado físico do doce - borbulhando. Estado emocional da personagem - "borbulhando de ideias" conforme o penúltimo e o último parágrafos.

  • A personagem estava cheia de vida, mas seu companheiro não via nela um ser vibrante. Ela queria algum rompante do marido, um beijo apaixonado, qualquer coisa que libertasse essa ânsia de viver. Ela estava vibrante e borbulhante como o doce, só precisava de uma pequena centelha, um reconhecimento, um agrado, a atenção merecedora de mulher entediada e contida pelos afazeres domésticos, pelas paredes da casa que cerceavam toda a sua energia.

  • Quem faz questão da FGV responde essa questão de boa!

    GABARITO: D

  • Fiquei entre a C e a D. Mas a certa é a letra D, pois ele se ultiliza de uma Metáfora (comparação com valor figurado) para comparar o estado emocional (sem cor/quase morto) com a cor da laranja (colorida, radiante, alegre).

  • Pra mim, estado físico é apenas 3. Sólido, líquido e gasoso. Fora isso, é característica, propriedade física. Inclusive a cor intensa é uma, chamada organoléptica.

  • Alguém pode explicar o erro da letra c), por favor.

    "Está presente a figura de linguagem denominada metáfora."

  • Adriana Araújo,

    "Vibrante como esse cor-de-laranja borbulhando na panela."

    Acredito que você tenha interpretado esse trecho acima como uma metáfora, contudo, uma vez que a conjunção como está expressa na frase, creio que ela deva ser classificada como uma comparação e não como uma metáfora, que é uma comparação implícita.

    É o que penso, salvo maior juizo.

  • Essa aí foi padrão FGV

  • Banca deu uma viajada nesse gabarito.

  • Gab: D

    A)Errada: Termo empregado no sentido de pedir vigor, firmeza.

    B)Errada: A repetição é empregada no sentido de enfatizar, destacar o estado de espírito da personagem.

    C)Errada: No trecho há o emprego de comparação(vibrante COMO esse cor-de-laranja).

    D)Correta: O doce na panela borbulhando na cor laranja representa o estado mental da personagem que borbulhava o desejo de que o marido percebesse que ela estava subindo pelas paredes querendo uma assistência.

    E)Errada: Cor-de-laranja nesse contexto não foi empregada como adjetivo e sim como substantivo(Esse cor-de-laranja borbulhando na panela).

  • Na dúvida vai na metáfora....

    Me ferrei..kkkk

  • No primeiro momento coloquei E, após errar, voltei ao texto e analisei e vi que a certa é a letra E.

     "como esse corde-laranja borbulhando na panela"

  •  P1 : Maria talvez nem tivesse começado. Mas não é assim que funciona, a coisa vem de trás pra frente: primeiro o gosto no fundo da lembrança, na garganta, daí a saliva na língua..

    P2 : O doce já começado é doce inteiro na imaginação, não tem volta. 

    VER QUE ANTES DELA COMECAR A MEXER O DOCE JÁ REPRESENTAVA SEUS PENSAMENTOS E EMOÇÕES