SóProvas


ID
5568322
Banca
INSTITUTO AOCP
Órgão
FUNPRESP-JUD
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Filosofia em dois desenhos

    Fui caminhar. E na calçada me deparei com um estranho indivíduo. Carregava um saco plástico enorme que, pelo perfil do conteúdo, calculei estivesse cheio de latinhas. Mal acabei de pensar, o homem se acocorou na calçada. Extraiu de alguma parte uma pedra branca parecendo ser cal prensada, e com ela começou a desenhar no cimento.
    Parei para ver, atraída pelo ritual que se esboçava. O homem desenhou dois círculos um diante do outro, quase encostados, e dentro deles desenhou duas setas convergentes.
    Levantou-se, olhou sua obra com satisfação, andou cinco ou seis passos e, novamente, se acocorou. Continuava com a pedra de cal na mão.
    Mas o desenho que fez foi diferente. Riscou dois traços, colocados na mesma distância dos dois círculos, e atrás deles desenhou duas setas que apontavam uma para a outra.
    Segui adiante refletindo sobre o que havia presenciado. A primeira coisa que me veio à cabeça foi a Serra da Capivara, que visitei numa ida a Teresina para algum congresso ou palestra. Trouxe de volta a louça que a arqueóloga franco-brasileira Niéde Guidon, há muitos anos responsável pelo sítio arqueológico, ensinou os locais a fazerem para terem uma fonte de subsistência. Louça com impressos os mesmos desenhos estampados na rocha, que se acredita serem vestígios de uma cultura paleoamericana. Pois, como um ser primitivo, o homem havia estampado seus pensamentos e sua visão interior na mais moderna das rochas: o cimento.
    Havia reparado que o homem estava muito sujo e desgrenhado. Calçava havaianas de sola já bem fininha e roupas indefinidas. Provavelmente era mais um morador de rua. E como morador de rua, usava a mesma calçada em que dormia para se expressar. Usava a calçada, único bem que lhe pertencia, como se fosse papel para desenhar ou escrever. Porque não há dúvida de que, ao desenhar, aquele homem estava escrevendo.
    Estava escrevendo a sua dificuldade para se comunicar. Preso dentro de um círculo, pouco adiantava que as setas apontassem em direção uma da outra. Ele não conseguia obedecer à ordem das setas, pois continuava contido pela linha que delimitava o círculo.
    Coisa idêntica dizia o segundo desenho, agora com um traço, uma parede, um muro, impedindo-o de obedecer ao comando das setas.
    Pode até ser que o homem, através de seus desenhos estivesse desenvolvendo uma teoria filosófica sobre a incomunicabilidade dos seres humanos. Que, se por um lado não conseguem viver sozinhos (significado das setas instando à comunicação), por outro lado não conseguem se entender (significado dos círculos e dos traços impeditivos).
    Avançando nessa teoria, chegaríamos à conclusão de que tudo o que é coletivo resvala no pessoal. Assim como os desenhos do homem, tão íntimos e pessoais, destinavam-se a quem quer que passasse naquela exata calçada de Ipanema.

Adaptado de: https://www.marinacolasanti.com/2021/09/filosofiaem-dois-desenhos.html [Fragmentos]. Acesso em: 18 set. 2021.

Considerando os aspectos relacionados à organização das informações, à estruturação do texto de apoio e aos sentidos por ele expressos, julgue o seguinte item.

O raciocínio filosófico ao qual o título se refere é construído pelo morador de rua ao se valer de desenhos para expressar suas ideias acerca da comunicação humana.

Alternativas
Comentários
  • extrapolou

  • "Segui adiante refletindo sobre o que havia presenciado." (linha 10)

    "Pode até ser que o homem, através de seus desenhos estivesse desenvolvendo uma teoria filosófica sobre a incomunicabilidade dos seres humanos." (penúltimo parágrafo)

    A reflexão filosófica não é construída pelo morador de rua, mas sim pela autora do texto que presenciou a situação narrada.

  • A partir da leitura do 5º parágrafo, é possível depreender que a autora considera as composições humanas, tanto as contemporâneas quanto as rudimentares, como formas de expressão.

    Duas formas de expressão que foram citadas em outra questão da mesma prova.

    Acho que vem daí a ideia do título: Filosofia em dois desenhos

    extrapolei?

  • O raciocínio filosófico ao qual o título se refere é construído pelo morador de rua ao se valer de desenhos para expressar suas ideias acerca da comunicação humana.

    Não, Não! Quem faz todas as inferências filosóficas e o autor do texto ao olhar os desenhos do morador de rua, que diga-se de passagem somente se limitou a essa ação nesse texto.

  • A expressão ''filosofia em dois desenhos'' está presente no texto a partir das inferenciais feitas pelas autora , e não pelo conteúdo em si que o morador de rua fez nos desenhos .

  • Além do que foi dito pelos colegas, também é possível perceber outro erro pelo trecho "Estava escrevendo a sua dificuldade para se comunicar." De acordo com a autora, o morador de rua estava escrevendo sobre sua própria dificuldade para se comunicar e não sobre suas ideais a respeito da comunicação humana.

  • O raciocínio filósofico é construído pela autora ao ver os desenhos.