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ID
5637307
Banca
FGV
Órgão
TJ-MG
Ano
2022
Provas
Disciplina
Direito Civil

Um antigo texto do jurista Orlando Gomes pontuava:


“Diversas disposições novas, que interessam a número cada vez mais copioso de indivíduos, estruturam, à margem do Código, um direito de família diferente, o único que conhecem amplos setores da população. Toda essa vegetação, exuberante de seiva humanitária, cresce nas barrancas da corrente tranquila do direito codificado, sem que por sua existência deem os que a singram alheios ao que se passa de redor. No entanto, diante desses fatos novos, um novo direito está procurando discipliná-los, com a preocupação de criar as condições elementares à estabilidade dos grupos familiares, constituídos ou não segundo o modelo oficial, para surpresa e alarme dos indiferentes à marcha da História.

Um Código Civil atualizado não pode ignorá-los. É de admitir-se até que os regule diferentemente. O que se não tolera é seu desconhecimento, e, muito menos, a confirmação da atual postura aristocrática, que levaria o reformador a menosprezar esses novos aspectos das relações familiares sob o falso fundamento de que constituem matéria estranha à sua órbita”

GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 7ª ed., 1990, p. XI-XII.


Entraram em vigor a Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002.

Sobre a evolução do Direito de Família no Brasil, conforme a perspectiva de Orlando Gomes, analise as afirmativas a seguir.

I. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar questões ligadas ao Direito de Família, acolhe dogmas religiosos, pois o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 considera o texto promulgado “sob a proteção de Deus”.

II. Após a vigência da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 (dotado de “centralidade sistemática”), com regulação completa do Direito de Família, não há mais leis especiais (os chamados “microssistemas”) relacionadas com assuntos familiares.

III. A jurisprudência ainda contribui de modo considerável para a evolução do Direito de Família.

Está correto o que se afirma em

Alternativas
Comentários
  • item I está errado, uma vez que o julgamento do STF de questões relacionadas ao direito de família não se prende em preceitos religiosos, pelo contrário, entendeu-se que a Constituição não empresta ao substantivo família qualquer significado ortodoxo nem mesmo da própria técnica jurídica:  A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. (ADI 4.277/DF)

    item II está errado, pois as disposições a cerca de assuntos relacionados à família não se restringem ao CC, uma vez que é possível observá-los tanto na Constituição Federal como em leis específicas, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, que aborda especialmente regramentos relacionados à convivência familiar.

     O item III está certo, uma vez que os textos de lei ainda dispõem sobre o tema de maneira arcaica e patriarcal, fazendo necessária a reinterpretação e a extensão da significação das mesmas pelos órgãos jurisdicionais. A exemplo é possível citar as ADI 4.277/DF, e o julgamento do RE 898.060 que gerou o Tema 622 de Repercussão Geral, que trata sobre a família multiparental e a paternidade socioafetiva.   

    Assim, está correta a alternativa C.

  • GAB: Letra C

    Aquela típica questão que o examinador faz o concurseiro perder tempo lendo um textão, pois ler apenas as assertivas já é suficiente para responder a questão!!

  • I) ERRADO.

    O STF adota a tese da irrelevância jurídica ao tratar do preâmbulo, ou seja, ele não tem força normativa ou interpretativa.

    O Brasil é um Estado laico, ou seja, um Estado em que há liberdade de consciência e de crença, onde ninguém é privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica.

    Consequentemente, o STF NÃO ACOLHE DOGMAS RELIGIOSAS AO TRATAR DO DIREITO DE FAMÍLIA.

    Ex: Casamentos homoafetivos.

    II) ERRADO.

    Ex. de leis especiais: Lei de alimentos, ECA...

    III) CERTO.

    A jurisprudência contribui efetivamente para a atualização do direito de família, pois, hoje vemos novos institutos que, apesar de não expressos na lei, são amplamente aceitos.

    Ex: Famílias homoafetivas, paternidade socioafetiva.

  • CONSTITUCIONALIZAÇÃO: o fundamento do DCV está na CF. É o fenômeno de um instituto eminentemente privado ir ter seu fundamento na Cf. É o movimento migratório. É a previsão topológica. Ex: função social da propriedade. os adjetivos não poderão significar a superposição de elementos exógenos do direito público sobre conceitos estratificados, mas uma interpenetração do direito público e privado, de tal maneira a se reelaborar a dogmática do direito civil

    PUBLICIZAÇÃO: Sinônimo de dirigismo contratual. A publicização do direito civil é a intromissão do estado dentro de uma relação privada para reequilibrá-la, para manter o equilíbrio ou garantir o interesse público. Exemplo: Direito do Trabalho, Cláusulas gerais de contratos (onde o reajuste é feito pelo poder público), agências reguladoras. Obs.: nada impede que no mesmo campo tenhamos uma constitucionalização + publicização do direito civil, dois grandes exemplos - direito do trabalho e direito do consumidor.

    FUNCIONALIZAÇÃO: uma das características do direito civil constitucional, “privilegiar o perfil funcional dos institutos em detrimento do perfil estrutural”, atitude que é “decorrência necessária da primazia do texto constitucional, que converte a normativa civil em instrumento para a realização de seus preceitos