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ID
5640334
Banca
UFRJ
Órgão
UFRJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

FUGA

        Mal colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.

        — Para com esse barulho, meu filho — falou, sem se voltar.

       Com três anos, já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.

        — Pois então para de empurrar a cadeira.

        — Eu vou embora — foi a resposta.

        Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da despensa? a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.

        A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:

       — Viu um menino saindo desta casa? — gritou para o operário que descansava diante da obra, do outro lado da rua, sentado no meio-fio.

       — Saiu agora mesmo com uma trouxinha — informou ele.

      Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e — saíra de casa prevenido — uma moeda de um cruzeiro. Chamou-o, mas ele apertou o passinho e abriu a correr em direção à avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia à distância.

         — Meu filho, cuidado!

      O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino, assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço como um animalzinho:

          — Que susto você me passou, meu filho — e apertava-o contra o peito comovido.

         — Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.

         Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:

          — Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.

        — Me larga. Eu quero ir embora. Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala — tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera com a da despensa.

          — Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.

          — Fico, mas vou empurrar esta cadeira.

           E o barulho recomeçou.

Fonte: SABINO, Fernando. Fuga. In: Os melhores contos. Rio de Janeiro: Record, 1986. p.122-123. 

Em “A calma que então baixou na sala era vagamente inquietante”, há uma figura de linguagem chamada: 

Alternativas
Comentários
  • "A calma que então baixou na sala era vagamente inquietante

    Antítese = termos opostos.

  • Gab : D

    . Antítese é uma figura de pensamento que acontece por meio da aproximação de palavras com sentidos opostos, por exemplo: "o ódio e o amor andam de mãos dadas."

    “A calma que então baixou na sala era vagamente inquietante

    ***Atenção***

    A maioria das bancas gostam de confundir o candidato com Antitese e Paradorxo

    O paradoxo ou oxímoro, é uma figura de linguagem, mais precisamente uma figura de pensamento, baseada na contradição.Muitas vezes, o paradoxo pode apresentar uma expressão absurda e aparentemente sem nexo, entretanto, ele expõe uma ideia coerente e fundamentada na verdade.

    Ex: Se você quiser me prender, vai ter que saber me soltar. (Caetano Veloso)

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  • “A calma que então baixou na sala era vagamente inquietante”...

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    a) Anáfora: Repetição de uma ou mais palavras no início de várias frases.

    Exemplo:

    Quando tudo era ausência, esperei

    Quando tive frio, tremi

    Quando tive coragem, liguei.

    b) Zeugma: O termo subtendido pode ser resgatado do texto.

    Exemplo: Uns foram ao teatro; outros (foram) ao cinema.

    c) Eufemismo: Busca suavizar uma expressão através do uso de termos mais agradáveis.

    Exemplo: Ele passou desta para a melhor. (ele morreu.)

    d) Antítese: Consiste na aproximação de palavras ou expressões de sentido oposto.

    Exemplo: Faça sol ou faça chuva, estarei trabalhando

    e) Pleonasmo: Repetição de um termo na mesma função sintática;

    Finalidade: realçar a ideia ou torná-la mais expressiva.

    Exemplo: O problema da violência, é necessário resolvê-lo logo.

    GABARITO: D

  • ETIM lat. inquiētans,antis, part.pres. de inquietāre 'perturbar, agitar, inquietar'