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ID
5640340
Banca
UFRJ
Órgão
UFRJ
Ano
2021
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

FUGA

        Mal colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.

        — Para com esse barulho, meu filho — falou, sem se voltar.

       Com três anos, já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.

        — Pois então para de empurrar a cadeira.

        — Eu vou embora — foi a resposta.

        Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da despensa? a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.

        A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:

       — Viu um menino saindo desta casa? — gritou para o operário que descansava diante da obra, do outro lado da rua, sentado no meio-fio.

       — Saiu agora mesmo com uma trouxinha — informou ele.

      Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e — saíra de casa prevenido — uma moeda de um cruzeiro. Chamou-o, mas ele apertou o passinho e abriu a correr em direção à avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia à distância.

         — Meu filho, cuidado!

      O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino, assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço como um animalzinho:

          — Que susto você me passou, meu filho — e apertava-o contra o peito comovido.

         — Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.

         Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:

          — Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.

        — Me larga. Eu quero ir embora. Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala — tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera com a da despensa.

          — Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.

          — Fico, mas vou empurrar esta cadeira.

           E o barulho recomeçou.

Fonte: SABINO, Fernando. Fuga. In: Os melhores contos. Rio de Janeiro: Record, 1986. p.122-123. 

Em “Saiu agora mesmo com uma trouxinha (...)”, a palavra destacada apresenta valor adverbial, o que NÃO ocorre em:

Alternativas
Comentários
  • A alternativa C é a única em que mesmo está colada ao núcleo do sujeito .

  • Gabarito na alternativa C

    Solicita-se indicação da passagem na qual o termo "mesmo" não possua valor adverbial:

    O termo "mesmo", dentre as diversas classes morfológicas que poderá assumir (notadamente substantivo, adjetivo, pronome ou advérbio) servirá de advérbio quando, junto ou semanticamente atrelado a verbo, modifica-lhe o sentido, servindo como adjunto adverbial que exprimirá ideia de confirmação, afirmação, equivalente a "realmente".

    A) O filho deu mesmo um susto em seu pai.

    Incorreta. O termo, ligado ao verbo "dar", modifica o sentido deste e enseja-lhe sentido de afirmativo (deu realmente um susto). É função adverbial do termo;

    B) Onde está mesmo a chave da despensa?

    Incorreta. O termo, ligado ao verbo "estar", modifica o sentido deste e enseja-lhe sentido de afirmativo dentro do contexto interrogativo(onde está realmente a chave...). É função adverbial do termo;

    C) O filho mesmo decidiu fugir de casa.

    Incorreta. Quando inserto após substantivo, servindo de reforço e sendo variável em gênero e número, o termo "mesmo" cumpre função pronominal demonstrativa.

    Temos então passagem na qual o termo não possui qualquer valor adverbial.

    D) O menino reagiu mesmo como um adulto.

    Incorreta. O termo, ligado ao verbo "reagir", modifica o sentido deste e enseja-lhe sentido de afirmativo (reagiu realmente/ de fato). É função adverbial do termo;

    E) O barulho continuou mesmo, acredita? 

    Incorreta. O termo, ligado ao verbo "continuar", modifica o sentido deste e enseja-lhe sentido de afirmativo (continuou realmente). É função adverbial do termo;

  • 1º - advérbio é invariável;

    2º - sempre relacionado a verbo, a adjetivo ou a outro advérbio.

  • A filha mesma decidiu fugir de casa.

    só substituir, se variar não é advérbio