SóProvas


ID
664975
Banca
FUNCAB
Órgão
MPE-RO
Ano
2012
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Um peixe 

            Virou a capanga de cabeça para baixo, e os peixes espalharam-se pela pia. Ele ficou olhando, e foi então que notou que a traíra ainda estava viva. Era o maior peixe de todos ali, mas não chegava a ser grande: pouco mais de um palmo. Ela estava mexendo, suas guelras mexiam-se devagar, quando todos os outros peixes já estavam mortos. Como que ela podia durar tanto tempo assim fora d'água?...

        Teve então uma ideia: abrir a torneira, para ver o que acontecia. Tirou para fora os outros peixes: lambaris, chorões, piaus; dentro do tanque deixou só a traíra. E então abriu a torneira: a água espalhou-se e, quando cobriu a traíra, ela deu uma rabanada e disparou, ele levou um susto – ela estava muito mais viva do que ele pensara, muito mais viva. Ele riu, ficou alegre e divertido, olhando a traíra, que agora tinha parado num canto, o rabo oscilando de leve, a água continuando a jorrar da torneira. Quando o tanque se encheu, ele fechou-a.

– E agora? – disse para o peixe. – Quê que eu faço com você?...

Enfiou o dedo na água: a traíra deu uma corrida, assustada, e ele tirou o dedo depressa.

        – Você tá com fome?... E as minhocas que você me roubou no rio? Eu sei que era você; devagarzinho, sem a gente sentir... Agora está aí, né?... Tá vendo o resultado?...

    O peixe, quieto num canto, parecia escutar.

    Podia dar alguma coisa para ele comer. Talvez pão. Foi olhar na lata: havia acabado. Que mais? Se a mãe estivesse em casa, ela teria dado uma ideia – a mãe era boa para dar ideias. Mas ele estava sozinho. Não conseguia lembrar de outra coisa. O jeito era ir comprar um pão na padaria. Mas sujo assim de barro, a roupa molhada, imunda? – Dane-se – disse, e foi.

        Era domingo à noite, o quarteirão movimentado, rapazes no footing , bares cheios. Enquanto ele andava, foi pensando no que acontecera. No começo fora só curiosidade; mas depois foi bacana, ficou alegre quando viu a traíra bem viva de novo, correndo pela água, esperta. Mas o que faria com ela agora? Matá-la, não ia; não, não faria isso. Se ela já estivesse morta, seria diferente; mas ela estava viva, e ele não queria matá-la. Mas o que faria com ela? Poderia criá-la; por que não? Havia o tanquinho do quintal, tanquinho que a mãe uma vez mandara fazer para criar patos. Estava entupido de terra, mas ele poderia desentupi-lo, arranjar tudo; ficaria cem por cento. É, é isso o que faria. Deixaria a traíra numa lata d'água até o dia seguinte e, de manhã, logo que se levantasse, iria mexer com isso. 

        Enquanto era atendido na padaria, ficou olhando para o movimento, os ruídos, o vozerio do bar em frente. E então pensou na traíra, sua trairinha, deslizando silenciosamente no tanque da pia, na casa escura. Era até meio besta como ele estava alegre com aquilo. E logo um peixe feio como traíra, isso é que era o mais engraçado.

        Toda manhã – ia pensando, de volta para casa – ele desceria ao quintal, levando pedacinhos de pão para ela. Além disso, arrancaria minhocas, e de vez em quando pegaria alguns insetos. Uma coisa que podia fazer também era pescar depois outra traíra e trazer para fazer companhia a ela; um peixe sozinho num tanque era algo muito solitário. 

A empregada já havia chegado e estava no portão, olhando o movimento. – Que peixada bonita você pegou...

– Você viu?

– Uma beleza... Tem até uma trairinha.

– Ela foi difícil de pegar, quase que ela escapole; ela não estava bem fisgada.

– Traíra é duro de morrer, hem?

– Duro de morrer?... Ele parou.

        – Uai, essa que você pegou estava vivinha na hora que eu cheguei, e você ainda esqueceu o tanque cheio d'água... Quando eu cheguei, ela estava toda folgada, nadando. Você não está acreditando? Juro. Ela estava toda folgada, nadando. 

    – E aí?

    –Aí? Uai, aí eu escorri a água para ela morrer; mas você pensa que ela morreu? Morreu nada! Traíra é duro de morrer, nunca vi um peixe assim. Eu soquei a ponta da faca naquelas coisas que faz o peixe nadar, sabe? Pois acredita que ela ainda ficou mexendo? Aí eu peguei o cabo da faca e esmaguei a cabeça dele, e foi aí que ele morreu. Mas custou, ô peixinho duro de morrer! Quê que você está me olhando? 

– Por nada.

– Você não está acreditando? Juro; pode ir lá na cozinha ver: ela está lá do jeitinho que eu deixei. Ele foi caminhando para dentro.

– Vou ficar aqui mais um pouco

– disse a empregada.

– depois vou arrumar os peixes, viu?

– Sei.

    Acendeu a luz da sala. Deixou o pão em cima da mesa e sentou-se. Só então notou como estava cansado.

 

(VILELA, Luiz. . O violino e outros contos 7ª ed. São Paulo: Ática, 2007. p. 36-38.) 

VOCABULÁRIO:

Capanga: bolsa pequena, de tecido, couro ou plástico, usada a tiracolo. 

Footing :passeio a pé, com o objetivo de arrumar namorado(a).

Guelra: estrutura do órgão respiratório da maioria dos animais aquáticos.

Vozerio: som de muitas vozes juntas. 

Assinale a alternativa em que o uso do acento grave é obrigatório.

Alternativas
Comentários
  • a) Ficou A olhar para os peixes sobre a pia.
    ERRADO. Proibido crase antes de verbo.
    b) Abriu A torneira para ver o que acontecia.
    ERRADO. Quem abre abre alguma coisa. Aqui o "A" é tão somente artigo.

    c) Ela está lá do jeitinho que A deixei.
    ERRADO. Aqui o "A" é pronome pessoal oblíquo átono: quando funcionar como objeto direto, substituindo ela.
    d) Juro; pode ir A cozinha ver os peixes.
    CERTO. Quem vai vai A algum lugar. artigo + preposição. ir à cozinha.
    e) Podia dar alguma coisa A ele.
    ERRADO. Quem da da alguma coisa a alguem. o problema aqui é que ele é masculino, logo, o "A" é apenas preposição.
  • Substituir o verbo "ir" pelo verbo pelo verbo "voltar". Se aparecer a expressão voltar da,é porque ocorre a crase.

    Exemplos:

    Iremos a Curitiba.
    (Voltaremos de Curitiba)

    Iremos à Bahia
    (Voltaremos da Bahia)

  • Juro; pode ir À (preposição + artigo def. fem. cozinha ver os peixes.
  • Ficou a olhar ... : não se usa crase diante de verbos, pois não se usa artigo diante de verbo. Em ficou a olhar, a é apenas preposição solicitada pelo verbo ficou.
    Abriu a torneira ... : quem abre, abre alguma coisa : abrir é verbo transitivo direto, não exigindo preposição. Em a torneira, a é apenas artigo.
    ....... que a deixei : quem deixa, deixa alguém, alguma coisa : assim, em a deixei , a é objeto direto.
    ..... dar alguma coisa a ele : quem dá, dá alguma coisa ( objeto direto ) a alguém ( objeto indireto); porém diante de pronome ele não se usa artigo  a, não ocorrendo assim a fusão da preposição a  pedida pelo verbo dar com artigo a.
    .... pode ir à cozinha .... : a fusão de a ( preposição pedida pelo verbo ir ) com a ( artigo definindo o substantivo feminino cozinha ) resulta crase : à .
  • Juro; pode ir AO quarto ver os peixes.
  • Dica de crase, quando o A pode ser substituido por PARA A, usa-se crase.
    Juro, pode ir A cozinha ver os peixes
    Juro, pode ir PARA A cozinha er os peixes!
    ok?!
  • Analisando para aprender,  o uso da crase é simples.
    a crase é a junção de artigo mais preposição.
    pense comigo!
    Não pode ser a letra (a) porque o verbo ficar não é regido pela preposição (a)
    Pelo mesmo motivo não pode ser a letra (b)
    Não cabe artigo antes de um verbo. letra (c) antes do verbo deixar.
    Não pode ser antes do pronome ele  - um pronome masculino e averbo crase é exclusivamente para marca o feminino. logo não pode ser a letra (e)o
    Antão restou a LETRA D
    troque a palavras depois da letra A para ver se forma AO.
    ex. ... pode ir AO mercado..
  • Não se usa crase antes de verbo (olhar) nem de pronome pessoal (ele). Abrir e deixar são VTD e não exigem preposição.
  • NÃO SE USA CRESE ANTES DE PRONOMES PESSOAIS, MESMO SENDO FEMININO, POIS ESTES NÃO ACEITAM O ARTIGO.

    PRONOMES PESSOAIS:

    EU
    TU/VOCÊ
    ELE/ELA
    NÓS
    VÓS
    ELES



     

  • resp D

    Letras A e C -...a olhar ,...a deixei , erradas, pois não ocorre crase antes de verbo.

    Letra B - ...abriu a torneira , verbo transitivo direto não pede preposição.

    Letra E - ... a ele. - além de ser palavra masculina, é também pronome pessoal , ambos os casos não aceitam crase.

  • Só para fins de esclarecimento: O acento da crase se chama acento grave!!!  

    à =  o A está craseado,  quem está sobre ele é o acento grave!!
  • Para não esquecer algumas das mais importantes regras de uso da crase, vamos lá, leiam comigo:

    Os dez mandamentos da crase
    1 - Diante de pronome, crase passa fome
    2 - Diante de masculino, crase é pepino!
    3 - Diante de ação, crase é marcação
    4 - Palavras repetidas, crase proibida
    5 - Diante de numeral, crase faz mal!
    6 - Quando houver hora: crase sem demora
    7 - Palavra determinada: crase liberada
    8 - Vou a, volta da: crase há
    9 - Vou a, vou de: crase pra quê?
    10 - "A" no singular, palavra no plural: crase nem a pau!!
    11 - Palavra indefinida: crase tá
    F%@#*A!!!
  • GABARITO: LETRA D

    ACRESCENTANDO:

    Tudo o que você precisa para acertar qualquer questão de CRASE:

    I - CASOS PROIBIDOS: (são 15)

    1→ Antes de palavra masculina

    2→ Antes artigo indefinido (Um(ns)/Uma(s))

    3→ Entre expressões c/ palavras repetidas

    4→ Antes de verbos

    5→ Prep. + Palavra plural

    6→ Antes de numeral cardinal (*horas)

    7→ Nome feminino completo

    8→ Antes de Prep. (*Até)

    9→ Em sujeito

    10→ Obj. Direito

    11→ Antes de Dona + Nome próprio (*posse/*figurado)

    12→ Antes pronome pessoalmente

    13→ Antes pronome de tratamento (*senhora/senhorita/própria/outra)

    14→ Antes pronome indefinido

    15→ Antes Pronome demonstrativo(*Aquele/aquela/aquilo)

    II - CASOS ESPECIAIS: (são7)

    1→ Casa/Terra/Distância – C/ especificador – Crase

    2→ Antes de QUE e DE → qnd “A” = Aquela ou Palavra Feminina

    3→ à qual/ às quais → Consequente → Prep. (a)

    4→ Topônimos (gosto de/da_____)

    a) Feminino – C/ crase

    b) Neutro – S/ Crase

    c) Neutro Especificado – C/ Crase

    5→ Paralelismo

    6→ Mudança de sentido (saiu a(`) francesa)

    7→ Loc. Adverbiais de Instrumento (em geral c/ crase)

    III – CASOS FACULTATIVOS (são 3):

    1→ Pron. Possessivo Feminino Sing. + Ñ subentender/substituir palavra feminina

    2→ Após Até

    3→ Antes de nome feminino s/ especificador

    IV – CASOS OBRIGATÓRIOS (são 5):

    1→ Prep. “A” + Artigo “a”

    2→ Prep. + Aquele/Aquela/Aquilo

    3→ Loc. Adverbiais Feminina

    4→ Antes de horas (pode está subentendida)

    5→ A moda de / A maneira de (pode está subentendida)

    FONTE: Português Descomplicado. Professora Flávia Rita