Para Arretche (2002), uma das grandes reivindicações democráticas dos anos de 1970 e 1980 consistia na descentralização das políticas públicas. A avaliação unânime de que a excessiva centralização decisória do regime militar havia produzido ineficiência, corrupção e ausência de participação no processo decisório conduziu a um grande consenso – que reunia, na verdade, correntes políticas à esquerda e à direita – em torno das virtudes da descentralização. Esta última – esperava-se – produziria eficiência, participação, transparência, accountability, entre outras virtudes esperadas da gestão pública. Assim, no Brasil dos anos de 1980, centralização e autoritarismo eram ambos encarados como filhos da ditadura, ao passo que descentralização, democratização do processo decisório e eficiência na gestão pública andariam automaticamente juntas.
Aqui ocorreram os dois fenômenos. Reformas das instituições políticas ao longo dos anos de 1980 – particularmente, a retoma da de eleições diretas em todos os níveis de governo a partir de 1982 e as deliberações da Constituição Federal de 1988 – recuperaram as bases federativas do Estado brasileiro, suprimidas durante a ditadura militar. Posteriormente – já nos anos de 1990 e já completada a institucionalização do Estado federativo – implementou-se um extensivo programa de descentralização, particularmente na área das políticas sociais. A simultaneidade histórica dos dois processos tem deixado a falsa impressão de que estes são a mesma coisa, quando não o são. Embora originários do mesmo processo histórico no Brasil – a negação do autoritarismo e da centralização –, federalismo e descentralização não implicam engenharias políticas gêmeas.