Como e por que as línguas mudam
Segundo Saussure, a língua possui duas características aparentemente contraditórias entre si: a imutabilidade e a
mutabilidade. Para ele, a língua é dada aos falantes como uma realidade que nenhum indivíduo pode transformar por
sua própria vontade; a língua é fruto de uma convenção social, e mudá-la exigiria o consenso social. Além disso, é uma
instituição herdada de gerações anteriores e não um contrato firmado entre os falantes no presente. Saussure insiste na
arbitrariedade dos signos linguísticos (as palavras) como uma escolha e, ao mesmo tempo, uma coerção. Por outro lado,
a mutabilidade dos signos – e, portanto, da língua – está ligada à própria inconsciência que os falantes têm das leis que
regem o sistema, assim como à própria tensão entre a língua como bem social e os atos de fala individuais, com seu
caráter particular e transitório.
Mas, se a língua é produtora e produto da cultura, a diversidade cultural é causa da diversidade linguística e
vice-versa. Além da mudança temporal, decorrente da evolução histórica, há também a diversidade geográfica, em que
os diferentes habitats condicionam diferentes formas de cultura. Assim, a separação dos grupamentos humanos no
tempo e no espaço conduz à sua diferenciação. Mais ainda, em sociedades complexas e extremamente heterogêneas
como as pós-industriais, estratificadas pela organização política e a especialização das atividades econômicas, a classe
social, o grupo profissional e a própria situação de comunicação levam à diferenciação.
Existem, portanto, quatro fatores responsáveis pela mudança linguística: o tempo histórico, o espaço geográfico, a
divisão das classes sociais e a variedade das situações de discurso, entendidas como os diferentes ambientes sociais,
ligados às diversas práticas profissionais, religiosas, recreativas, culturais, etc., que condicionam diferentes formas de
expressão do pensamento (isto é, diferentes escolhas de vocabulário e construção sintática), como é o caso dos
discursos científico, político, jurídico, jornalístico, publicitário, dos jargões e das gírias específicas de cada grupo social
(os médicos, os economistas, os surfistas...).
Na mudança histórica, o aspecto que mais chama a atenção é a mutação fonética. A alteração da pronúncia ao
longo do tempo pode, muitas vezes, ser mascarada pela grafia: o português cozer era pronunciado na Idade Média
como codzer, distinguindo-se perfeitamente de seu hoje homófono coser. Uma alteração de pronúncia pode implicar
mudança no sistema de sons distintivos da língua, os fonemas, pelo acréscimo, supressão ou reorganização das relações
entre as unidades. Uma mudança ao nível dos fonemas pode, por sua vez, acarretar alterações em categorias
morfológicas, como no caso da flexão de número em latim. Frequentemente, a mudança histórica se dá não apenas na pronúncia, mas também no significado. É assim que
muitas palavras, independentemente da conservação ou mutação de sua forma fonética ou gráfica, adquirem novos
significados, podendo manter ou não os antigos. Finalmente, novas palavras são introduzidas na língua, fruto de criação
interna ou de empréstimo, enquanto outras caem em desuso e desaparecem.
A mudança espacial é resultado da diferente evolução temporal da língua em comunidades linguísticas separadas
geograficamente. A distância geográfica, responsável pela falta de comunicação entre dois grupos de falantes de uma
mesma língua, produz em cada um dos grupos uma evolução histórica independente, que, a longo prazo, poderá
resultar na não intercompreensão entre os grupos. As migrações humanas também são outro fator que conspira a favor
da mudança espacial. Ocorre assim o fenômeno da dialetação, que pode, com o tempo, fazer surgirem novas línguas.
A separação entre classes sociais, tanto do ponto de vista físico quanto em termos do modo de vida, faz com que
indivíduos pertencentes a classes sociais distintas se expressem de formas diferentes e reproduzam visões de mundo
parcialmente diversas. Surgem então os socioletos, ou formas de expressão particulares de cada classe social.
Finalmente, os diferentes grupos sociais (grupos profissionais, religiosos, etários, etc.) existentes numa sociedade
complexa tendem a produzir discursos privativos desses grupos. Temos aí os vários idioletos e tecnoletos de uma
sociedade.
(Aldo Bizzocchi – Revista Língua Portuguesa – Editora Escala. Adaptado.)
Segundo Saussure,