SóProvas


ID
1058890
Banca
FAURGS
Órgão
TJ-RS
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

          Devo educar meus filhos para serem éticos?

01          Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, saí de casa para
02   a escola numa manhã fria de inverno. Chegando ___
03   portaria, meu pai interfonou, perguntando se eu estava
04   levando um agasalho. Disse que sim. Ele me perguntou
05   qual. “O moletom amarelo”, respondi. Era mentira.
06   Não estava levando agasalho nenhum, mas estava
07   com pressa, não queria me atrasar.
08          Voltei do colégio e fui ao armário procurar o tal
09   moletom. Não estava lá, nem em nenhum lugar da
10   casa, e eu imaginava _ _ _ _. Gelei. À noite, meu pai
11   chegou de cara amarrada. Ao me ver, tirou de sua
12   pasta o moletom e me disse: “Eu não me importo que
13   tu não te agasalhes. Mas, nesta casa, nesta família,
14   ninguém mente. Tá claro?”. Sim, claríssimo. Esse foi
15   apenas um episódio memorável de algo que foi o
16   leitmotiv da minha formação familiar. Meu pai era um
17   obcecado por retidão, palavra, ética, pontualidade,
18   honestidade, código de conduta, escala de valores,
19   menschkeit (firmeza de caráter, decência fundamental,
20   em iídiche) e outros termos que eram repetitiva e
21   exaustivamente martelados na minha cabeça. Deu
22   certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto
23   deslocado.
24         Até hoje chego pontualmente aos meus compro-
25   missos e, na maioria das vezes, fico esperando por
26   interlocutores que se atrasam e nem se desculpam
27   (quinze minutos parece constituir uma “margem de
28   erro” tolerável). Até hoje acredito quando um prestador
29   de serviço promete entregar o trabalho em uma data,
30   apenas para ficar exasperado pelo seu atraso. Fico
31   revoltado sempre que pego um táxi em uma cidade
32   que não conheço e o motorista tenta me roubar.
33   Detesto os colegas de trabalho que fazem corpo mole,
34   que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido.
35   Isso sem falar nas quase úlceras que me surgem ao
36   ler o noticiário e saber que, entre os governantes,
37   viceja um grupo de imorais que roubam com criativi-
38   dade e desfaçatez.
39         Sócrates, via Platão, defende que o homem que
40   pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos,
41   pois está em conflito interno, em desarmonia consigo
42   mesmo, perenemente acossado e paralisado por
43   medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma
44   existência desprezível, para sempre amarrado ___
45   algo (sua própria consciência!) onisciente que o
46   condena. Com o devido respeito ao filósofo de Atenas,
47   nesse caso acredito que ele foi excessivamente
48   otimista. Hannah Arendt me parece ter chegado mais
49   perto da compreensão da perversidade humana ao
50   notar que esse desconforto interior do “pecador”
51   pressupõe um diálogo interno, de cada pessoa com a
52   sua consciência, que na verdade não ocorre com a
53   frequência desejada por Sócrates. Para aqueles que
54   cometem o mal em uma escala menor e o confrontam,
55   Arendt relembra Kant, que sabia que “o desprezo por
56   si próprio, ou melhor, o medo de ter de desprezar a si
57   próprio, muitas vezes não funcionava, e a sua explicação
58   era que o homem pode mentir para si mesmo”. Todo
59   corrupto ou sonegador tem uma explicação, uma lógica
60   para os seus atos, algo que justifique o _ _ _ _ de uma
61   determinada lei dever se aplicar a todos, sempre, mas
62   não a ele, pelo menos não naquele momento em que
63   está cometendo o seu delito.
64          Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das
65   pessoas honestas: “Ah, mas pelo menos eu durmo
66   tranquilo”. Os escroques também! Se eles tivessem
67   dramas de consciência, se travassem um diálogo
68   verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou não teriam
69   optado por sua “carreira” ou já teriam se suicidado.
70   Esse diálogo consigo mesmo é fruto do que Freud
71   chamou de superego: seguimos um comportamento
72   moral _ _ _ _ ele nos foi inculcado por nossos pais, e
73   renegá-lo seria correr o risco da perda do amor paterno.
74          Na minha visão, só existem, assim, dois cenários
75   em que é objetivamente melhor ser ético do que não.
76   O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita
77   que os pecados deste mundo serão punidos no próximo.
78   Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma
79   sociedade ética em que os desvios de comportamento
80   são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções
81   penais, quer na forma de ostracismo social. O que
82   não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse
83   ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é
84   um país sério.
85          Assim é que, criando filhos brasileiros morando no
86   Brasil, estou ___ voltas com um deprimente dilema:
87   acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho
88   para a vida. Esta é a nossa responsabilidade: dar a
89   nossos filhos os instrumentos para que naveguem,
90   com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo
91   real. E acredito que a ética e a honestidade são valores
92   axiomáticos. Eis aí o dilema: será que o melhor que
93   poderia fazer para preparar meus filhos para viver no
94   Brasil seria não os aprisionar na cela da consciência,
95   do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a
96   integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a
97   ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia,
98   como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas
99   questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar
100  com atrasos, não insistir para que não colem na escola,
101  não instruir para que devolvam o troco recebido a
102  mais...
103         O fato de pensar ___ respeito do assunto e de viver
104  em um país em que existe um dilema entre o ensino
105  da ética e o bom exercício da paternidade já é causa
106  para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus
107  filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não
108  porque ache que eles serão mais felizes assim – pelo
109  contrário –, nem porque acredite que, no fim, o bem
110  compensa. Mas _ _ _ _, em primeiro lugar, não conse-
111  guiria conviver comigo mesmo – e com a memória de
112  meu pai – se criasse meus filhos para serem pessoas
113  do tipo que ele me ensinou a desprezar. Além disso,
114  porque acredito que sociedades e culturas mudam.
115  Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram
116  antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um
117  dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a
118  retidão que espero inculcar em meus filhos há de ser
119  uma vantagem (não um fardo). Oxalá.

Adaptado de: Devo educar meus filhos para serem éticos?
http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe-devo-educar-meus-filhos-para-serem-eticos
Acessado em 21/10/2013.

Se a palavra homem (l. 39) estivesse no plural, quantas outras palavras teriam de ser, necessaria- mente, alteradas na frase para fins de concordância?

Alternativas
Comentários
  • O enunciado pediu outras palavras que seriam alteradas:


    Sócrates, via Platão, defende que os[1] homens [este não conta] que
     praticam[2] o mal são[3] os[4] mais infelizes[5] e escravizados[6] de todos,
     pois estão[7] em conflito interno, em desarmonia consigo
    mesmos[8], perenemente acossados[9] e paralisados[10] por 
    medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma 
    existência desprezível, para sempre amarrados[11]___ 
    algo (sua própria consciência!) onisciente que os[12] 
    condena.

  • Consigo mesmos ?  humrum :D kkk

  • a palavra "condena" não deveria ir para o plural?
  • a palavra "condena" não deveria ir para o plural?
  • Caro colega Rui,

    Neste caso, uma boa dica é simplificar e mudar a ordem das palavras:

    - Algo condena os homens.

    - Algo os condena.

    Abraço!

  • Pq "sua própria consciência" n vai ao plural?

  • A QUESTÃO PEDE TODAS AS PALAVRAS QUE IRÃO FLEXIONAR-SE COM O SUBSTANTIVO HOMEM,E NÃO SÓMENTE OS VERBOS.SENDO A PALAVRA HOMEMSUBSTANTIVO E TAMBÉM SUJEITO TODAS AS PALAVRAS QUESE RELACIONAM COM ELE IRÃO SE FLEXIONAR, OU SEJA, OS ADJETIVOS, ARTIGOS,VERBOS, E PRONOMES.

          OS VERBOS CONCORDAM COM HOMEM NA FUNÇÃO DE SUJEITO

         E O ARTIGO,ADJETIVO,PRONOME CONCORDAM COM HOMEM NA FUNÇÃO DE SUBSTANTIVO.


    Sócrates, via Platão, defende que os homens que
    40 praticam o mal são osmais infelizes e escravizadosde todos,
    41 pois estão em conflito interno, em desarmoniaconsigo
    42 mesmos, perenemente acossadose paralisados por
    43 medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma
    44 existência desprezível, para sempre amarrados. ___
    45 algo (sua própria consciência!) onisciente que os
    46 condena.

    Corrijam me se eu estiver errado. Por favor!


  • Sócrates,via Platão, defende que oshomens que  praticam o mal são os mais infelizese escravizados detodos, pois estãoem conflito interno, em desarmonia consigo mesmos, perenemente acossados e paralisados por medos, remorsos e apetitesincontroláveis, tendo uma existência desprezível, para sempre amarrados  a algo (sua própria consciência) oniscienteque os condena. 

  • Alguém tem que mostrar ao examinador a diferença entre frase e período!

  • Conflito interno - achei que seria " Conflitos Internos".

    Alguém pode e ajudar? Também interpretei que seriam outras palavras,assim a palavra HOMEM ou o que vinha antes já não contava.Preciso ter mais atenção!! :(

    Obrigada pelos esclarecimentos. :)

    Maria.

  • "condena" não vai para o plural, pois o seu sujeito é "algo". Já o pronome oblíquo "os", irá para o plural pois refere-se a homens, ou seja, algo condena OS HOMENS.

  • A questão não tem alternativa porque:

    FRASE: é todo enunciado de sentido completo, podendo ser formada por uma só palavra ou várias. 

    Ex: Sócrates, via Platão, defende que o homem que pratica o mal é o mais infeliz.

    Resposta: os homens os quais praticam ...são os ... infelizes. (8 palavras).

    PERÍODO: é a frase constituida de uma ou mais orações, formando um todo com sentido completo.

    Ex: Sócrates, [...] que o condena. 

    Mesmo assim, eu respondi, olhando para as alternativas só podia ser "período" e não "frase".

  • Por que "em conflito, em desarmonia" continua no singular e "consigo mesmo" fica "consigo mesmos"?

  • Irei repetir a pergunta que já fizeram. Por que "sua própria consciência" não vai ao plural?

    Se alguém se habilitar a responder...

  • Por que 'sua própria consciência' não foi para o plural?


    DICA: 

    1) Ignore esse trecho e observe que  'algo onisciente' se mantém no singular. 

    2) O que vem após 'algo' é uma explicação, que está entre parênteses.

    3) Mude a ordem para entender melhor: a própria consciência onisciente dos homens é algo que os condena.


    OBS: não sei se as justificativas acima são tecnicamente suficientes, mas para mim não soa adequado transpor a expressão "consciência onisciente" para uma forma plural, pelo próprio significado que carrega.

  • Questão chata. Errei. Concordo com a resposta trazida pelos comentários mais curtidos.

     

    Resposta correta: 12 alterações.

     

    Vida longa e próspera, C.H.

  • Embora eu tenha errado a questão pois passei para o plural, erroneamente, a parte entre parênteses, eu descordo da galera sobre a questão estar mal elaborada.

    Lá no início da alfabetização a gente aprende que a frase termina no ponto final (explicação simplória), portanto, depois de "condena".

  • Só um bagulho, "consigo MESMOS" existe sim senhor... João e Paulo estavam discutindo consigo mesmos. 

     

    E passa-lhe o piru. 

  • Nossa cara, pra que passar de 10, que coisa mais sem noção.

  • Português da Faurgs é soda! Errei por uma, contei 13...  O bendito "onisciente". kkkk

  • Na mosca! que alívio!

  • Sócrates, via Platão, defende que o homem que
    40   pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos,
    41   pois está em conflito interno, em desarmonia consigo
    42   mesmo, perenemente acossado e paralisado por
    43   medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma
    44   existência desprezível, para sempre amarrado ___
    45   algo (sua própria consciência!) onisciente que o
    46   condena.

    Total de 12 palavras.

    Gabarito: C

     

    Avante, rumo à posse!!!

  • Sócrates, via Platão, defende que o homem que
    40   pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos,
    41   pois está em conflito interno, em desarmonia consigo
    42   mesmo, perenemente acossado e paralisado por
    43   medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma
    44   existência desprezível, para sempre amarrado ___
    45   algo (sua própria consciência!) onisciente que o
    46   condena.

    Total de 12 palavras.

    Gabarito: C

     

  • 39         Sócrates, via Platão, defende que os homens que
    40   praticam o mal são os mais infelizes e escravizados de todos,
    41   pois estão em conflito interno, em desarmonia consigo
    42   mesmos, perenemente acossados e paralisados por 
    43   medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma 
    44   existência desprezível, para sempre amarrados ___ 
    45   algo (sua própria consciência!) onisciente que os 
    46   condena.

  • Sócrates, via Platão, defende que o homem que pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos, pois está em conflito interno, em desarmonia consigo mesmo, perenemente acossado e paralisado por medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma existência desprezível, para sempre amarrado a algo (sua própria consciência!) onisciente que o condena.

    O homem está amarrado a algo onisciente que o condena.

    Algo onisciente o condena (=condena ele)

    Algo onisciente os condena (=condena eles).

    Temos a tendência de achar que homem é o sujeito do verbo condenar, mas algo onisciente é o sujeito. Por isso, condenar não vai para o plural, mas apenas o objeto direto que se refere ao homem.

    O conceito de frase é qualquer coisa. Em relação a isso, a questão está correta.

    A parte que está entre parênteses é uma intercalação e, dessa forma, não pode sofrer modificação.