SóProvas


ID
1058911
Banca
FAURGS
Órgão
TJ-RS
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

          Devo educar meus filhos para serem éticos?

01          Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, saí de casa para
02   a escola numa manhã fria de inverno. Chegando ___
03   portaria, meu pai interfonou, perguntando se eu estava
04   levando um agasalho. Disse que sim. Ele me perguntou
05   qual. “O moletom amarelo”, respondi. Era mentira.
06   Não estava levando agasalho nenhum, mas estava
07   com pressa, não queria me atrasar.
08          Voltei do colégio e fui ao armário procurar o tal
09   moletom. Não estava lá, nem em nenhum lugar da
10   casa, e eu imaginava _ _ _ _. Gelei. À noite, meu pai
11   chegou de cara amarrada. Ao me ver, tirou de sua
12   pasta o moletom e me disse: “Eu não me importo que
13   tu não te agasalhes. Mas, nesta casa, nesta família,
14   ninguém mente. Tá claro?”. Sim, claríssimo. Esse foi
15   apenas um episódio memorável de algo que foi o
16   leitmotiv da minha formação familiar. Meu pai era um
17   obcecado por retidão, palavra, ética, pontualidade,
18   honestidade, código de conduta, escala de valores,
19   menschkeit (firmeza de caráter, decência fundamental,
20   em iídiche) e outros termos que eram repetitiva e
21   exaustivamente martelados na minha cabeça. Deu
22   certo. Quer dizer, não sei. No Brasil atual, eu me sinto
23   deslocado.
24         Até hoje chego pontualmente aos meus compro-
25   missos e, na maioria das vezes, fico esperando por
26   interlocutores que se atrasam e nem se desculpam
27   (quinze minutos parece constituir uma “margem de
28   erro” tolerável). Até hoje acredito quando um prestador
29   de serviço promete entregar o trabalho em uma data,
30   apenas para ficar exasperado pelo seu atraso. Fico
31   revoltado sempre que pego um táxi em uma cidade
32   que não conheço e o motorista tenta me roubar.
33   Detesto os colegas de trabalho que fazem corpo mole,
34   que arranjam um jeitinho de fazer menos que o devido.
35   Isso sem falar nas quase úlceras que me surgem ao
36   ler o noticiário e saber que, entre os governantes,
37   viceja um grupo de imorais que roubam com criativi-
38   dade e desfaçatez.
39         Sócrates, via Platão, defende que o homem que
40   pratica o mal é o mais infeliz e escravizado de todos,
41   pois está em conflito interno, em desarmonia consigo
42   mesmo, perenemente acossado e paralisado por
43   medos, remorsos e apetites incontroláveis, tendo uma
44   existência desprezível, para sempre amarrado ___
45   algo (sua própria consciência!) onisciente que o
46   condena. Com o devido respeito ao filósofo de Atenas,
47   nesse caso acredito que ele foi excessivamente
48   otimista. Hannah Arendt me parece ter chegado mais
49   perto da compreensão da perversidade humana ao
50   notar que esse desconforto interior do “pecador”
51   pressupõe um diálogo interno, de cada pessoa com a
52   sua consciência, que na verdade não ocorre com a
53   frequência desejada por Sócrates. Para aqueles que
54   cometem o mal em uma escala menor e o confrontam,
55   Arendt relembra Kant, que sabia que “o desprezo por
56   si próprio, ou melhor, o medo de ter de desprezar a si
57   próprio, muitas vezes não funcionava, e a sua explicação
58   era que o homem pode mentir para si mesmo”. Todo
59   corrupto ou sonegador tem uma explicação, uma lógica
60   para os seus atos, algo que justifique o _ _ _ _ de uma
61   determinada lei dever se aplicar a todos, sempre, mas
62   não a ele, pelo menos não naquele momento em que
63   está cometendo o seu delito.
64          Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das
65   pessoas honestas: “Ah, mas pelo menos eu durmo
66   tranquilo”. Os escroques também! Se eles tivessem
67   dramas de consciência, se travassem um diálogo
68   verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou não teriam
69   optado por sua “carreira” ou já teriam se suicidado.
70   Esse diálogo consigo mesmo é fruto do que Freud
71   chamou de superego: seguimos um comportamento
72   moral _ _ _ _ ele nos foi inculcado por nossos pais, e
73   renegá-lo seria correr o risco da perda do amor paterno.
74          Na minha visão, só existem, assim, dois cenários
75   em que é objetivamente melhor ser ético do que não.
76   O primeiro é se você é uma pessoa religiosa e acredita
77   que os pecados deste mundo serão punidos no próximo.
78   Não é o meu caso. O segundo é se você vive em uma
79   sociedade ética em que os desvios de comportamento
80   são punidos pela coletividade, quer na forma de sanções
81   penais, quer na forma de ostracismo social. O que
82   não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle disse
83   ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil não é
84   um país sério.
85          Assim é que, criando filhos brasileiros morando no
86   Brasil, estou ___ voltas com um deprimente dilema:
87   acredito que o papel de um pai é preparar o seu filho
88   para a vida. Esta é a nossa responsabilidade: dar a
89   nossos filhos os instrumentos para que naveguem,
90   com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo
91   real. E acredito que a ética e a honestidade são valores
92   axiomáticos. Eis aí o dilema: será que o melhor que
93   poderia fazer para preparar meus filhos para viver no
94   Brasil seria não os aprisionar na cela da consciência,
95   do diálogo consigo mesmos, da preocupação com a
96   integridade? Tenho certeza de que nunca chegaria a
97   ponto de incentivá-los a serem escroques, mas poderia,
98   como pai, simplesmente ser mais omisso quanto a essas
99   questões. Tolerar algumas mentiras, não me importar
100  com atrasos, não insistir para que não colem na escola,
101  não instruir para que devolvam o troco recebido a
102  mais...
103         O fato de pensar ___ respeito do assunto e de viver
104  em um país em que existe um dilema entre o ensino
105  da ética e o bom exercício da paternidade já é causa
106  para tristeza. Em última análise, decidi dar a meus
107  filhos a mesma educação que recebi de meu pai. Não
108  porque ache que eles serão mais felizes assim – pelo
109  contrário –, nem porque acredite que, no fim, o bem
110  compensa. Mas _ _ _ _, em primeiro lugar, não conse-
111  guiria conviver comigo mesmo – e com a memória de
112  meu pai – se criasse meus filhos para serem pessoas
113  do tipo que ele me ensinou a desprezar. Além disso,
114  porque acredito que sociedades e culturas mudam.
115  Muitos dos países hoje desenvolvidos e honestos eram
116  antros de corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um
117  dia o Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a
118  retidão que espero inculcar em meus filhos há de ser
119  uma vantagem (não um fardo). Oxalá.

Adaptado de: Devo educar meus filhos para serem éticos?
http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe-devo-educar-meus-filhos-para-serem-eticos
Acessado em 21/10/2013.

Considere as afirmativas abaixo.

I - A palavra devido (l. 46) está sendo empregada como advérbio.
II - A palavra respeito (l. 46) está sendo empregada como substantivo.
III - A palavra tranquilo (l. 66) pode estar sendo empregada tanto como adjetivo quanto como advérbio.
IV - A palavra troco (l. 101) está sendo empregada como verbo.

Quais estão corretas?

Alternativas
Comentários
  • 'Devido' exerce função de adjetivo da palavra 'respeito'?

  • Acredito que advérbio não modifica substantivo, logo a I está errada.

  • adverbio é invariável e estará ligado sempre a verbo, adjetivo ou outro advérbio. Na questão ,a palavra "devido" está ligada ao substantivo  "respeito", sendo assim um adjetivo que o qualifica.

  • Acrescento ao comentário da Renata que Advérbio pode variar quanto a flexão de grau. Alguns flexionam em gênero ou em número.

  • como,a alternativa III estar certa!?Primeiro: se a palavra TRANQUILO estar modificando o verbo DORMIR,ou seja, TRANQUILO é um adverbio.Segundo:e uma palavra nao pode exercer a funçao de duas classes gramaticais ao mesmo tempo que eu saiba!?

  • ..Quem acha que pode tá errada a terceira alternativa.. nela tá escrito a palavra "PODE" .. quer dizer que a pergunta tem a ver com o uso da palavra de forma geral.. e não..nescessariamente o uso da palavra no texto..

  • Esta questão é passível de recurso. Tranquilo jamais "PODE" exercer o papel de ADJETIVO no texto!

  • Existem casos em que utilizamos um adjetivo como forma de adverbio. É o que chamamos de ADJETIVO ADVERBIALIZADO.

    EX: "Ah, mas pelo menos eu durmo  tranquilamente" ( adv. de modo)

    - Ah, mas pelo menos eu durmo tranquilo” ( adjetivo adverbializado que tenta designar modo).


  • vou comentar o item III: vamos usar o fato do adverbio ser invariável a nosso favor : pelo menos nós dormimos 
    'tranquilo'. se o tranquilo variar, estará concordando com o pronome, senão, estará concordando com o verbo. questão bem interessante. 

  • Devido (l.46) é um substantivo, pois está precedido de um artigo. Toda palavra precedida de artigo torna-se substantivo (processo chamado substantivação).

  • A palavra tranquilo tem variação de gênero, número e grau.

    Ex: Eu durmo tranquilo.

          Ela dorme tranquila.

          Eles dormem tranquilos.

    Portanto, tranquilo neste caso é adjetivo, porque adjetivo pode ter essas variações e advérbio não.

    Advérbio não possui variação nenhuma (gênero, número ou grau).


    Seria advérbio se estivesse da seguinte forma:


    Eu durmo tranquilamente.   

    Ela dorme tranquilamente.

    Eles dormem tranquilamente.


    Vejam que neste caso não existe nenhuma variação. 

  • LETRA C

    De acordo com o item I, a palavra DEVIDO está acompanhando o substantivo RESPEITO, definindo-o, caracterizando-o. Os ADVÉRBIOS modificam verbos, adjetivos e/ou outros advérbios, uma vez que lhes transmitem alguma circunstância. Vale lembrar que o advérbio é a classe de palavras INVARIÁVEIS. No texto, a palavra DEVIDO varia para concordar com o substantivo RESPEITO. Portanto, não é um ADVÉRBIO, mas sim um ADJETIVO. Assertiva ERRADA! 

    Segundo o item II, a palavra RESPEITO vem precedida do artigo (O), ainda que esse esteja anteposto ao adjetivo DEVIDO. Ora, os artigos têm o poder de substantivar palavras. Assertiva CORRETA!

    O Item III sugere dupla função da palavra TRANQUILO. Essa palavra pode receber diversas flexões, variando de acordo com o termo que acompanha: tranquila, tranquilos, tranquilas etc. Dessa forma, sua função é adjetiva. Quando acompanhada de um verbo (dormir, no caso do texto), essa palavra é classificada como adjetivo. O mesmo ocorre com o acréscimo do sufixo adverbial MENTE: TRANQUILAMENTE, por exemplo. ASSERTIVA CORRETA!

    Já o item IV sugere que a palavra troco é um VERBO. Ora, aqui, retomo a explicação realizada para o item II. A palavra TROCO está acompanhada de um ARTIGO (o). Os artigos substantivam palavras. Portanto, a palavra troco não está empregada como VERBO, mas sim como SUBSTANTIVO. ASSERTIVA ERRADA!

  • Quando um adjetivo acompanha um verbo ou um adjetivo, ele exerce a função de adverbio.

  • O item 3 é uma pegadinha. No texto, tranquilo só exerce função de advérbio, mas em outras situações pode ser um adjetivo! O advérbio é classificada como invariável, porém, varia em grau. Pode ser comparativo ou superlativo.

  • Concordo Izabela, acertei pois não tinha a alternativa somente a II está correta, mas acho que ficou mal elaborada essa assertiva

    III - A palavra tranquilo (l. 66) pode estar sendo empregada tanto como adjetivo quanto como advérbio. 

    se pode estar sendo empregada é porque refere-se ao contexto apresentado, que seria só advérbio. 


  • Como adjetivo, estaria implícito o verbo de ligação "estar" (durmo "e estou" tranquilo). Como advérbio, estaria, logicamente, caraterizando o MODO da ação de dormir ("tranquilamente). Portanto, a afirmação III está correta.

  • Bastava resolver as alternativas I e II para achar a resposta correta. Tempo de prova é um recurso precioso :)

    Força, Fé e Foco!

  • Segundo o comentário em vídeo do professor, a palavra " DEVIDO" é um substantivo pelo fato de antes dele vir um artigo, mas acredito que o artigo esteja marcando a palavra RESPEITO e não a palavra DEVIDO.


  • O artigo antes de RESPEITO é subentendido.

    A palavra TRANQUILO pode ser lida como um advérbio equivalente (EU DURMO TRANQUILAMENTE ) ou como um adjetivo com o verbo ser subentendido (EU DURMO E ESTOU TRANQUILO).


    Fonte: aula 3 do Andresan

  • O termo "pode estar sendo", além de citar a linha do texto(ali possuindo apenas o contexto de advérbio), deveria anular a questão.

    Na dúvida, responder pela menos errada.

  • Recomendo-lhes lerem o texto e ao final se perguntaram: "Ser ou não ser."