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ID
1083232
Banca
FCC
Órgão
TRT - 19ª Região (AL)
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

     Ainda aluna de medicina, Nise da Silveira se horrorizou ao ver o professor abrir com um bisturi o corpo de uma jia e deixar à mostra, pulsando, seu pequenino coração.

     Esse fato define a mulher que iria revolucionar o tratamento da esquizofrenia e pôr em questão alguns dogmas estéticos em vigor mesmo entre artistas antiacadêmicos e críticos de arte.

     A mesma sensibilidade à flor da pele que a fez deixar, horrorizada, a aula de anatomia, levou-a a se opor ao tratamento da esquizofrenia em voga na época em que se formou: o choque elétrico, o choque insulínico, o choque de colabiosol e, pior do que tudo, a lobotomia, que consistia em secionar uma parte do cérebro do paciente. Tomou-se de revolta contra tais procedimentos, negando-se a aplicá-los nos doentes a ela confiados. Foi então que o diretor do hospital, seu amigo, disse-lhe que não poderia mantê-la no emprego, a não ser em outra atividade que não envolvesse o tratamento médico. - Mas qual?, perguntou ela. - Na terapia ocupacional, respondeu-lhe o diretor.

     A terapia ocupacional, naquela época, consistia em pôr os internados para lavar os banheiros, varrer os quartos e arrumar as camas. Nise aceitou a proposta e, em pouco tempo, em lugar de faxina, os pacientes trabalhavam em ateliês improvisados, pintando, desenhando, fazendo modelagem com argila e encadernando livros. Desses ateliês saíram alguns dos artistas mais criativos da arte brasileira, cujas obras passaram a constituir o hoje famosíssimo Museu de Imagens do Inconsciente do Centro Psiquiátrico Nacional, situado no Engenho de Dentro, no Rio.

     É que sua visão da doença mental diferia da aceita por seus companheiros psiquiatras. Enquanto, para estes, a loucura era um processo progressivo de degenerescência cerebral, que só se poderia retardar com a intervenção direta no cérebro, ela via de outro modo, confiando que o trabalho criativo e a expressão artística contribuiriam para dar ordem e equilíbrio ao mundo subjetivo e afetivo tumultuado pela doença.

     Por isso mesmo acredito que o elemento fundamental das realizações e das concepções de Nise da Silveira era o afeto, o afeto pelo outro. Foi por não suportar o sofrimento imposto aos pacientes pelos choques que ela buscou e inventou outro caminho, no qual, em vez de ser vítima da truculência médica, o doente se tornou sujeito criador, personalidade livre capaz de criar um universo mágico em que os problemas insolúveis arrefeciam.


(Adaptado de: GULLAR, Ferreira. A Cura pelo Afeto. Resmungos, São Paulo: Imprensa Oficial, 2007)

De acordo com o texto, Nise da Silveira

Alternativas
Comentários
  • Bem, assim eu raciocinei:

    a) errado = ela não adotou procedimentos em voga à sua época no tratamento de doenças mentais.

    b) certo  = ela, de fato, introduziu mudanças na psiquiatria e, ao confiar "que o trabalho criativo e a expressão artística contribuiriam para dar ordem e equilíbrio ao mundo subjetivo e afetivo tumultuado pela doença", pôs em xeque ditames da arte de seu tempo, já que a arte não era pensada dessa forma.

    c) errado = passou a trabalhar tendo como parâmetro os afetos "pelos" (e não "dos") pacientes, "por meio da" (e não "a despeito da") prática artística envolvida no tratamento da esquizofrenia. 

    d) errado = ela inovou, e não praticou o que havia de mais atual em termos de tratamento psiquiátrico; além do mais, sua proposta não pressupunha o contato com artistas consagrados de então. 

    e) errado = o texto nada diz nem permite inferir que o fundamento de sua visão sobre terapia ocupacional era a aceitação racional da doença por parte do paciente.

    Boa sorte a todos e continuem firmes!!!

  • A resposta está no segundo parágrafo:

    b) introduziu mudanças na psiquiatria, deixando de ver a loucura como um processo de degeneração mental, além de pôr em xeque ditames da arte de seu tempo.

    "Esse fato define a mulher que iria revolucionar o tratamento da esquizofrenia e pôr em questão alguns dogmas estéticos em vigor mesmo entre artistas antiacadêmicos e críticos de arte."