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ID
1083235
Banca
FCC
Órgão
TRT - 19ª Região (AL)
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

     Ainda aluna de medicina, Nise da Silveira se horrorizou ao ver o professor abrir com um bisturi o corpo de uma jia e deixar à mostra, pulsando, seu pequenino coração.

     Esse fato define a mulher que iria revolucionar o tratamento da esquizofrenia e pôr em questão alguns dogmas estéticos em vigor mesmo entre artistas antiacadêmicos e críticos de arte.

     A mesma sensibilidade à flor da pele que a fez deixar, horrorizada, a aula de anatomia, levou-a a se opor ao tratamento da esquizofrenia em voga na época em que se formou: o choque elétrico, o choque insulínico, o choque de colabiosol e, pior do que tudo, a lobotomia, que consistia em secionar uma parte do cérebro do paciente. Tomou-se de revolta contra tais procedimentos, negando-se a aplicá-los nos doentes a ela confiados. Foi então que o diretor do hospital, seu amigo, disse-lhe que não poderia mantê-la no emprego, a não ser em outra atividade que não envolvesse o tratamento médico. - Mas qual?, perguntou ela. - Na terapia ocupacional, respondeu-lhe o diretor.

     A terapia ocupacional, naquela época, consistia em pôr os internados para lavar os banheiros, varrer os quartos e arrumar as camas. Nise aceitou a proposta e, em pouco tempo, em lugar de faxina, os pacientes trabalhavam em ateliês improvisados, pintando, desenhando, fazendo modelagem com argila e encadernando livros. Desses ateliês saíram alguns dos artistas mais criativos da arte brasileira, cujas obras passaram a constituir o hoje famosíssimo Museu de Imagens do Inconsciente do Centro Psiquiátrico Nacional, situado no Engenho de Dentro, no Rio.

     É que sua visão da doença mental diferia da aceita por seus companheiros psiquiatras. Enquanto, para estes, a loucura era um processo progressivo de degenerescência cerebral, que só se poderia retardar com a intervenção direta no cérebro, ela via de outro modo, confiando que o trabalho criativo e a expressão artística contribuiriam para dar ordem e equilíbrio ao mundo subjetivo e afetivo tumultuado pela doença.

     Por isso mesmo acredito que o elemento fundamental das realizações e das concepções de Nise da Silveira era o afeto, o afeto pelo outro. Foi por não suportar o sofrimento imposto aos pacientes pelos choques que ela buscou e inventou outro caminho, no qual, em vez de ser vítima da truculência médica, o doente se tornou sujeito criador, personalidade livre capaz de criar um universo mágico em que os problemas insolúveis arrefeciam.


(Adaptado de: GULLAR, Ferreira. A Cura pelo Afeto. Resmungos, São Paulo: Imprensa Oficial, 2007)

O autor do texto considera que

Alternativas
Comentários
  • A resposta está presente logo no final do texto, logo após o autor dizer que "o elemento fundamental das das realizações e das concepções de Nise da Silveira era o afeto":

    "(...) em vez de ser vítima da truculência metódica, o doente se tornou sujeito criador, personalidade livre capaz de criar um universo mágico em que os problemas insolúveis arrefeciam". 

    Ou seja, é a partir do afeto que os pacientes tornavam-se agentes em seus próprios tratamentos. Resposta letra C.

  • Bem, embora a questão se mostre relativamente fácil, em virtude das pistas do texto, a letra "e" pode causar algum transtorno. Eu me desviei da "e" pelo seguinte motivo:

    e) errado =  embora eu possa  dizer que "a arte contribui para a criação de um universo imaginário que distrai os pacientes do cerne de sua condição", seria ir além do texto dizer que ela serve de cura para as enfermidades dos pacientes, antes ela serve mais para um tratamento e não para a cura, afinal está no texto que "os problemas insolúveis arrefeciam" e não que eram eliminados. 

  • EU LI NO TEXTO ALGUMA COISA RELACIONADA A AFETO E VOU LA E ERRO ESSA QUESTAO PQP

  • Minha interpretação:

    a) o texto não diz nada disso, que "os avanços devem ser vistos com cautela em termos artísticos"

    b) errada: os pacientes não passaram a se adequar ao tratamento psiquiátricos. O que foi uma grande conquista, na verdade, foi o uso da arte para tentar amenizar os problemas dos pacientee e não o uso de "tratamentos psiquiátricos em voga", como diz a alternativa.

    c)resposta esta no último parágrafo, na frase: (...) em vez de ser vítima da truculência metódica, o doente se tornou sujeito criador, personalidade livre capaz de criar um universo mágico em que os problemas insolúveis arrefeciam". 

    d) o texto não diz isso, que os doentes adquiriam equilíbriou com os tratatamento clínicos, o texto diz justamente o contrário, fala que o que causa equilíbrio é a terapia ocupacional através da arte.

    e) o texto não diz que a arte "distrai os pacientes" e nem que a arte cura as enfermidades