- ID
 - 1160152
 - Banca
 - FUNDEP (Gestão de Concursos)
 - Órgão
 - FAME
 - Ano
 - 2014
 - Provas
 - Disciplina
 - Português
 - Assuntos
 
Texto 1 
            Somos uma sociedade injusta e segregacionista 
O  fenômeno  dos  centenas  de  rolezinhos  que  ocuparam  shoppings  centers  no Rio  e  em  São Paulo suscitaram as mais disparatadas interpretações. (...)   
Eu, por minha parte, interpreto da seguinte forma tal irrupção:   
Em primeiro  lugar, são  jovens pobres, das grandes periferias, sem espaços de  lazer e de  cultura,  penalizados  por  serviços  públicos  ausentes  ou muito  ruins  como  saúde,  escola,  infra-estrutura sanitária,  transporte,  lazer e segurança. Veem  televisão cujas propagandas  os  seduzem  para  um  consumo  que  nunca  vão  poder  realizar.  E  sabem  manejar  computadores e entrar nas redes sociais para articular encontros. Seria ridículo exigir deles  que teoricamente tematizem sua insatisfação. 
Mas  sentem  na  pele  o  quanto  nossa  sociedade  é  malvada  porque  exclui,  despreza  e  mantém os  filhos e  filhas da pobreza na  invisibilidade  forçada. O que se esconde por  trás  de sua irrupção? O fato de não serem incluídos no contrato social. Não adianta termos uma  "constituição cidadã" que neste aspecto é apenas retórica, pois  implementou muito pouco  do  que  prometeu  em  vista  da  inclusão  social. Eles  estão  fora,  não  contam,  nem  sequer  servem de carvão para o consumo de nossa  fábrica social  (Darcy Ribeiro). Estar  incluído  no contrato social significa  ter garantidos os serviços básicos: saúde, educação, moradia,  transporte,  cultura,  lazer  e  segurança. Quase  nada  disso  funciona  nas  periferias. O  que  eles  estão  dizendo  com  suas  penetrações  nos  bunkers  do  consumo?  "Oia  nóis  na  fita";  "nois  não  tamo  parado";"nóis  tamo  aqui  para  zoar"(incomodar).  Eles  estão  com  seu  comportamento rompendo as barreiras do aparheid social.(...)
Continuamos uma Brasilíndia: uma Bélgica  rica dentro de uma  Índia pobre. Tudo  isso os  rolezinhos denunciam, por atos e menos por palavras.   
Em  segundo  lugar,  eles  denunciam  a  nossa  maior  chaga:  a  desigualdade  social  cujo  verdadeiro  nome  é  injustiça  histórica  e  social.  Releva  constatar  que,  com  as  políticas  sociais do governo do PT, a desigualdade diminuiu, pois, segundo o  IPEA, os 10% mais  pobres tiveram entre 2001-2011 um crescimento de renda acumulado de 91,2%, enquanto  a parte mais rica cresceu 16,6%. Mas esta diferença não atingiu a raiz do problema, pois o  que supera a desigualdade é uma infraestrutura social de saúde, escola, transporte, cultura  e  lazer que  funcione e  seja acessível a  todos. Não é suficiente  transferir  renda;  tem que  criar oportunidades e oferecer serviços, coisa que não foi o foco principal no Ministério de  Desenvolvimento Social. 
O "Atlas da Exclusão Social" de Márcio Poschmann (Cortez 2004) nos mostra que há cerca  de 60 milhões de  famílias no Brasil, das quais cinco mil  famílias extensas detém 45% da  riqueza nacional. Democracia sem igualdade, que é seu pressuposto, é farsa e retórica. Os  rolezinhos denunciam essa contradição. Eles entram no  "paraíso das mercadorias" vistas virtualmente na TV para vê-las realmente e senti-las nas mãos. Eis o sacrilégio insuportável  pelos donos dos shoppings. Eles não sabem dialogar, chamam logo a polícia para bater e  fecham  as  portas  a  esses  bárbaros.  Sim,  bem  o  viu  T.Todorov  em  seu  livro  "Os  novos  bárbaros":  os marginalizados  do mundo  inteiro  estão  saindo  da margem  e  indo  rumo ao  centro para suscitar a má consciência dos "consumidores felizes" e lhes dizer: esta ordem  é  ordem  na  desordem.  Ela  os  faz  frustrados  e  infelizes,  tomados  de  medo,  medo  dos  próprios semelhantes que somos nós. 
Por fim, os rolezinhos não querem apenas consumir. Não são animaizinhos famintos. Eles  têm fome sim, mas fome de reconhecimento, de acolhida na sociedade, de lazer, de cultura  e  de mostrar  o  que  sabem:  cantar, dançar,  criar  poemas  críticos,  celebrar  a  convivência  humana. E querem  trabalhar para ganhar sua vida. Tudo  isso  lhes é negado, porque, por  serem  pobres,  negros,  mestiços  sem  olhos  azuis  e  cabelos  loiros,  são  desprezados  e  mantidos longe, na margem. 
Esse tipo de sociedade pode ser chamada ainda de humana e civilizada? Ou é uma forma  travestida de barbárie? Esta última lhe convém mais. Os rolezinhos mexeram numa pedra  que começou a rolar. Só parará se houver mudanças. 
BOFF, Leonardo. Jornal Zero Hora. 28 jan. 2014. (adaptado). Disponível em: 
 
Releia este excerto.   
“O que eles estão dizendo com suas penetrações nos bunkers do consumo? "Oia nóis na  fita"; "nóis não  tamo parado";  "nóis  tamo aqui para zoar"(incomodar). Eles estão com seu  comportamento rompendo as barreiras do aparheid social.”    
O  autor  optou  por  escrever  essas  passagens  em  discurso  direto  em  uma  variedade  do  português diferente da variedade padrão porque