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ID
1241464
Banca
FCC
Órgão
TRF - 4ª REGIÃO
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Atenção: Para responder a questão considere o texto abaixo.


         Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo co-
mum e objetivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noi-
te adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro
da vida subjetiva. Árvores ramalham. De vez em quando pas-
sam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente
a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da
lâmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa
do seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra di-
mensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há
lugar para dois passageiros: Leitor e autor.
        O leitor ingênuo é simplesmente ator. Quero dizer que,
num folhetim ou num romance policial, procura o reflexo dos
seus sentimentos imediatos, identificando-se logo com o pro-
tagonista ou herói do romance. Isto, aliás, se dá mais ou menos
com qualquer leitor, diante de qualquer livro; de modo geral, nós
nos lemos através dos livros.
        Mas no leitor ingênuo, essa lei dos reflexos toma a forma
de um desinteresse pelo livro como obra de arte. Pouco importa
a impressão literária, o sabor do estilo, a voz do autor. Quer di-
vertir-se, esquecer as pequenas misérias da vida, vivendo ou-
tras vidas desencadeadas pelo bovarismo da leitura. E tem ra-
zão. Há dentro dele uma floração de virtualidades recalcadas
que, não encontrando desimpedido o caminho estreito da ação,
tentam fugir pela estrada larga do sonho.
        Assim éramos nós então, por não sabermos ler nas en-
trelinhas. E daquela primeira fase de educação sentimental, que
parecia inevitável como as espinhas, passava quase sempre o
jovem monstro para uma crise de hipercrítica. Devido à neces-
sidade de um restabelecimento de equilíbrio, o excesso engen-
drava o excesso contrário. A pouco e pouco os românticos per-
diam terreno em proveito dos naturalistas. Dava-se uma verda-
deira subversão de valores na escala da sensibilidade e a fanta-
sia comprazia-se em derrubar os antigos ídolos. Formava-se
muitas vezes, coincidindo com manifestações mórbidas que são
do domínio da psicanálise, um pedantismo da clarividência, tão
nocivo como a intemperança imaginosa ou sentimental, e talvez
mais ingênuo, pois refletia um ressentimento de namorado ain-
da ferido nas suas primeiras ilusões. 


(Adaptado de: MEYER, Augusto. “Do Leitor”, In: À sombra da
estante
, Rio de Janeiro, José Olympio, 1947, p. 11-19)

Infere-se, corretamente, que o autor do texto

Alternativas
Comentários
  • Letra B

    Ao lermos esta frase deduz-se a resposta:

    Mas no leitor ingênuo, essa lei dos reflexos toma a forma 
    de um desinteresse pelo livro como obra de arte. Pouco importa 
    a impressão literária, o sabor do estilo, a voz do autor.

    b) compara duas fases do leitor a duas fases da adolescência, ressaltando a ingenuidade que caracteriza ambas, pois, cada uma a seu modo, não se atêm a características artísticas do livro.

  • Não vejo erro na letra D, da mesma forma que não vejo sentido na letra B. Alguém pode me ajudar?

    Obrigada!

  • "daquela primeira fase de educação sentimental, que parecia inevitável como as espinhas, passava quase sempre o jovem monstro para uma crise de hipercrítica." O leitor jovem passa da fase sentimental, um extremo, para uma fase de muitas críticas, o extremo oposto. Esse ponto bate com "compara duas fases do leitor a duas fases da adolescência". 

    "Formava-se muitas vezes ... um pedantismo da clarividência .... e talvez mais ingênuo, pois refletia um ressentimento de namorado ainda ferido nas suas primeiras ilusões.". Essa parte do texto bate com " ressaltando a ingenuidade que caracteriza ambas, pois, cada uma a seu modo, não se atêm a características artísticas do livro."


  • Errei a questão e reconheço que o gabarito B é o correto mesmo. Apesar de no último parágrafo do texto o autor dizer a respeito de um amadurecimento do leitor, no final do parágrafo ele diz que o leitor continua ingênuo, conforme a passagem:

    "Formava-se 
    muitas vezes, coincidindo com manifestações mórbidas que são 
    do domínio da psicanálise, um pedantismo da clarividência, tão 
    nocivo como a intemperança imaginosa ou sentimental, e talvez 
    mais ingênuo
    , pois refletia um ressentimento de namorado ain-
    da ferido nas suas primeiras ilusões." 

  • Os colegas estão falando que a alternativa D também poderia estar correta, mas ao meu ver ela mostra extrapolação do entendimento do texto. É por isso que mais de uma leitura é necessária para interpretá-lo.

  • Não consigo enxergar essa comparação de duas fases da adolescência...

    Esta foi uma das questões de interpretação mais difíceis que já vi

  • Pessoal acho que a D está errada pois no texto não diz que quando o leitor amadurece prefere obras com aprimoramento artístico

  • A letra D está obviamente errada, pois na análise do autor fica claro que a transição de uma fase para outra não implica aprimoramento artístico, mas simplesmente se comete o mesmo erro do excesso, só que pro outro lado: primeiro se é romântico idealizador, depois se passa para um niilista e pessimismo convicto. Basta ver os seguintes trechos:

    Trechos que evidenciam um romântico exagerado, um sonhador ingênuo:

    --Quer divertir-se, esquecer as pequenas misérias da vida, vivendo outras vidas desencadeadas pelo bovarismo(pessoa que cria uma autoimagem superestimada) da leitura

    --a floração de virtualidades recalcadas  que, não encontrando desimpedido o caminho estreito da ação, 

    tentam fugir pela estrada larga do sonho.

    Trechos que evidenciam um pessimista sem esperança:

    --a fantasia comprazia-se em derrubar os antigos ídolos

    --coincidindo com manifestações mórbidas

    --ressentimento de namorado ainda ferido nas suas primeiras ilusões

    Trecho que demonstra que a segunda fase não pode ser superior ou mais aprimorada que a primeira:

    --e talvez mais ingênuo(se refere ao leitor que passou para a segunda fase)

    Ora, se é talvez mais ingênuo, de forma alguma esse leitor pode ser capaz de "perceber nos livros os componentes afeitos à realidade".

  • A letra D está errada pois extrapola o conteúdo quando afirma que o amadurecimento do leitor acarreta em preferir os livros de maior aprimoramento artístico.

    No texto, o amadurecimento do leitor "gera uma subversão devalores na escala da sensibilidade..."