- ID
- 1258525
- Banca
- INSTITUTO AOCP
- Órgão
- IBC
- Ano
- 2013
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
                Os legisladores e o Verbo Divino
                                          Cláudio de Moura e Castro
    1.§  Pensemos  na  seguinte  situação.  Três  pessoas 
estão em uma sala, prontas para devorar uma travessa de 
comida. E eis que chegam mais três. Será preciso deitar 
água no feijão, para dividi-lo entre os comensais. Todos 
comem feijão aguado. Os mesmos três estão ouvindo um 
cantor, quando irrompem mais três na sala. Mas agora é 
diferente, ninguém ouve ou vê menos pela presença dos 
outros. Não há do que privar-se, pois ninguém  “come” 
o som e a imagem dos outros. Se continuar a chegar 
gente, acabarão todos se acotovelando e cochichos 
atrapalharão o deleite da música. Mas quantos serão, a 
ponto de reduzir o prazer da cantoria? Obviamente, isso 
dependerá do tamanho da sala, do formato, da acústica, 
do  volume  da  voz  e  se  há  amplificação,  entre  outros 
fatores. Não há um número mágico.
    2.§ Esse experimento abstrato pode ser comparado 
a uma sala de aula. Quando chegam mais alunos, não 
é como o caso do feijão aguado. Pelo contrário, é 
semelhante ao do cantor. Mais gente na sala não prejudica 
o  aprendizado. E  não  é  preciso muita  imaginação  para 
concluir que aulas maiores custam menos, economizando 
recursos, vantagem nada trivial. No primeiro ano de 
Harvard, muitas aulas são em anfiteatros, com todos os 
400 alunos iniciantes. O curso de introdução à economia, 
em Berkeley, tinha 1200. Se essa fórmula fosse tão ruim, 
Harvard não seria a melhor universidade do mundo e 
Berkeley, a melhor pública. As salas do ensino médio 
coreano tinham mais de sessenta alunos. Mesmo assim, 
a Coreia já possuía um excelente sistema educativo. No 
Brasil, temos o exemplo dos cursinhos, operando com 
salas enormes. Para a maioria dos alunos, é o melhor 
ensino que jamais experimentarão.
    3.§ A realidade é ainda mais turva. Pergunte-se 
ao público se prefere ouvir Caetano Veloso em uma 
sala com 100 espectadores ou um cantor menor, em 
uma sala com 35. Pergunte-se aos alunos se preferem 
um grande professor, em uma sala enorme, ou um 
medíocre, em uma salinha de 35 lugares. Em ambos os 
casos, a resposta é a mesma e óbvia. Para os puristas, 
se há muitos alunos, dilui-se a interação deles com o 
professor. É um  argumento  sério,  sempre  e quando  tal 
interação  for  praticada. Mas  isso  é  raríssimo,  qualquer 
que seja o tamanho da sala. Tais perplexidades atraíram 
muitos estudos, na tentativa de determinar o impacto do 
4.§ Tais análises não avaliam métodos eficazes que
requerem poucos alunos. Isso porque sua superioridade
não pode ser medida se quem os adota está perdido em
um mundão de escolas tradicionais. A própria definição
de tamanho de sala vai se esfarelando. Imaginemos um
colégio com professores excelentes dando aulas em
salas com sessenta estudantes. Depois, grupos de dez
alunos se reúnem com professores mais jovens para
discutir os assuntos da aula. Além disso, os alunos fazem
duas disciplinas a distância, uma delas com um tutor por
500 alunos e outra, totalmente informatizada (relação
aluno/professor = infinito). Quantos professores por
aluno há nessa escola? Desde que temos Ideb e Enem,
o tema é irrelevante. Se o estudante aprendeu, pouco
importa como funciona a sala de aula. Pois não é que o
nosso Legislativo, com uma pauta atolada de problemas
angustiantes, se mete a legislar sobre o número de
alunos na sala de aula? Pela proposta em discussão, no
ensino médio, não será possível ultrapassar o número
mágico de 35. Deve ser uma cifra que, em sua infinita
magnificência, Deus revelou aos legisladores, pois de
nenhuma pesquisa saiu. 
tamanho da sala de aula sobre o aprendizado. De  fato, 
esse  é um dos  temas mais pesquisados,  com medidas 
cuidadosas e grupos de controle. São centenas de 
pesquisas, tantas que não mais se justifica fazer outras. 
E o que nos dizem? Simplesmente, com a única exceção 
constituída pelos alunos pobres dos anos iniciais, não há 
nenhuma associação entre o tamanho da sala e o nível de 
aprendizado. Infere-se que os casos de interação aluno-
professor são raríssimos. Desde que se possa ver e ouvir 
o mestre, pôr ou tirar alunos não afeta o rendimento. 
É  leviano  negar  o  que  diz  a  avalanche  de  pesquisas. 
Entendamos, os resultados descrevem o coletivo das 
escolas.
                                  Revista Veja, edição 2.299, p. 28.
        
 A expressão “devorar uma travessa de comida”  (1.§) é um exemplo de figura de