- ID
- 1258543
- Banca
- INSTITUTO AOCP
- Órgão
- IBC
- Ano
- 2013
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Os legisladores e o Verbo Divino
Cláudio de Moura e Castro
1.§ Pensemos na seguinte situação. Três pessoas
estão em uma sala, prontas para devorar uma travessa de
comida. E eis que chegam mais três. Será preciso deitar
água no feijão, para dividi-lo entre os comensais. Todos
comem feijão aguado. Os mesmos três estão ouvindo um
cantor, quando irrompem mais três na sala. Mas agora é
diferente, ninguém ouve ou vê menos pela presença dos
outros. Não há do que privar-se, pois ninguém “come”
o som e a imagem dos outros. Se continuar a chegar
gente, acabarão todos se acotovelando e cochichos
atrapalharão o deleite da música. Mas quantos serão, a
ponto de reduzir o prazer da cantoria? Obviamente, isso
dependerá do tamanho da sala, do formato, da acústica,
do volume da voz e se há amplificação, entre outros
fatores. Não há um número mágico.
2.§ Esse experimento abstrato pode ser comparado
a uma sala de aula. Quando chegam mais alunos, não
é como o caso do feijão aguado. Pelo contrário, é
semelhante ao do cantor. Mais gente na sala não prejudica
o aprendizado. E não é preciso muita imaginação para
concluir que aulas maiores custam menos, economizando
recursos, vantagem nada trivial. No primeiro ano de
Harvard, muitas aulas são em anfiteatros, com todos os
400 alunos iniciantes. O curso de introdução à economia,
em Berkeley, tinha 1200. Se essa fórmula fosse tão ruim,
Harvard não seria a melhor universidade do mundo e
Berkeley, a melhor pública. As salas do ensino médio
coreano tinham mais de sessenta alunos. Mesmo assim,
a Coreia já possuía um excelente sistema educativo. No
Brasil, temos o exemplo dos cursinhos, operando com
salas enormes. Para a maioria dos alunos, é o melhor
ensino que jamais experimentarão.
3.§ A realidade é ainda mais turva. Pergunte-se
ao público se prefere ouvir Caetano Veloso em uma
sala com 100 espectadores ou um cantor menor, em
uma sala com 35. Pergunte-se aos alunos se preferem
um grande professor, em uma sala enorme, ou um
medíocre, em uma salinha de 35 lugares. Em ambos os
casos, a resposta é a mesma e óbvia. Para os puristas,
se há muitos alunos, dilui-se a interação deles com o
professor. É um argumento sério, sempre e quando tal
interação for praticada. Mas isso é raríssimo, qualquer
que seja o tamanho da sala. Tais perplexidades atraíram
muitos estudos, na tentativa de determinar o impacto do
4.§ Tais análises não avaliam métodos eficazes que
requerem poucos alunos. Isso porque sua superioridade
não pode ser medida se quem os adota está perdido em
um mundão de escolas tradicionais. A própria definição
de tamanho de sala vai se esfarelando. Imaginemos um
colégio com professores excelentes dando aulas em
salas com sessenta estudantes. Depois, grupos de dez
alunos se reúnem com professores mais jovens para
discutir os assuntos da aula. Além disso, os alunos fazem
duas disciplinas a distância, uma delas com um tutor por
500 alunos e outra, totalmente informatizada (relação
aluno/professor = infinito). Quantos professores por
aluno há nessa escola? Desde que temos Ideb e Enem,
o tema é irrelevante. Se o estudante aprendeu, pouco
importa como funciona a sala de aula. Pois não é que o
nosso Legislativo, com uma pauta atolada de problemas
angustiantes, se mete a legislar sobre o número de
alunos na sala de aula? Pela proposta em discussão, no
ensino médio, não será possível ultrapassar o número
mágico de 35. Deve ser uma cifra que, em sua infinita
magnificência, Deus revelou aos legisladores, pois de
nenhuma pesquisa saiu.
tamanho da sala de aula sobre o aprendizado. De fato,
esse é um dos temas mais pesquisados, com medidas
cuidadosas e grupos de controle. São centenas de
pesquisas, tantas que não mais se justifica fazer outras.
E o que nos dizem? Simplesmente, com a única exceção
constituída pelos alunos pobres dos anos iniciais, não há
nenhuma associação entre o tamanho da sala e o nível de
aprendizado. Infere-se que os casos de interação aluno-
professor são raríssimos. Desde que se possa ver e ouvir
o mestre, pôr ou tirar alunos não afeta o rendimento.
É leviano negar o que diz a avalanche de pesquisas.
Entendamos, os resultados descrevem o coletivo das
escolas.
Revista Veja, edição 2.299, p. 28.
“...Harvard não seria a melhor universidade do mundo e Berkeley, a melhor pública.” (2.§) No fragmento acima, temos um exemplo de figura de