Texto I
Foi no pátio da escola, à hora do recreio. Eugênio abaixou-se para apanhar a bola de pano, e de repente atrás dele alguém gritou:
- O Genoca tá com as carça furada no fiofó!
Os outros rapazes cercaram Eugênio numa algazarra. Houve pulos, atropelos, pontapés, cotoveladas, gritos e risadas: eram como galinhas correndo cegas a um tempo para bicar o mesmo punhado de milho. No meio da roda, atarantado e vermelho, Eugênio tapava com ambas as mãos o rasgão da calça, sentindo um calorão no rosto. Os colegas romperam em vaia frenética:
Calça furada!
Calça furada!
Calça furada-dá!
Gritavam em cadência uniforme, batendo palmas. Eugênio sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Balbuciava palavras de fraco protesto, que se sumiam devoradas pelo grande alarido.
Calça furada-dá!
No fio-fó-fó-fó!
Oia as calça dele, vovó!
Calça furada-dá!
Do outro lado do pátio, as meninas olhavam curiosas, com ar divertido, pulando e rindo. Em breve começaram a gritar também, integrando-se no coro, num alvoroço de gralhas.
O vento da manhã levava no seu sopro frio aquelas vozes agudas, espalhava-as pela cidade inteira, anunciando a toda a gente que o menino Eugênio estava com as calças rasgadas, bem naquele lugar... As lágrimas deslizavam pelo rosto do rapaz e ele deixava que elas corressem livres, lhe riscassem as faces, lhe entrassem pela boca, lhe pingassem do queixo, porque tinha ambas as mãos postas como um escudo sobre as nádegas. Agora, de braços dados, os rapazes formavam um grande círculo e giravam de um lado para outro, berrando sempre: Calça furada! Calça furada! Eugênio cerrou os olhos como para não ver por mais tempo a sua vergonha.
Soou a sineta.
Terminara o recreio. Na aula, Eugênio sentiu-se humilhado como um réu. Na hora da tabuada, a professora apontava os números no quadro-negro com o ponteiro, e os alunos gritavam em coro:
Dois e dois são quatro!
Três e três são seis!
E o ritmo desse coro lembrava a Eugênio a vaia do recreio. Calça furada-dá!
Que vergonha! O pai estava devendo o dinheiro do mês passado, a professora tinha reclamado o pagamento em voz alta, diante de todos os alunos. Ele era pobre, andava malvestido. Porque era quieto, os outros abusavam dele, botavam-lhe rabos de papel... Sábado passado ficara de castigo, de pé num canto, por estar de unhas sujas. O pior de tudo eram as meninas. Se ao menos na aula só houvesse rapazes... Meu Deus, como era triste, como era vergonhoso ser pobre!
- O Genoca tá com as carça furada no fiofó!
Os outros rapazes cercaram Eugênio numa algazarra. Houve pulos, atropelos, pontapés, cotoveladas, gritos e risadas: eram como galinhas correndo cegas a um tempo para bicar o mesmo punhado de milho. No meio da roda, atarantado e vermelho, Eugênio tapava com ambas as mãos o rasgão da calça, sentindo um calorão no rosto. Os colegas romperam em vaia frenética:
Calça furada!
Calça furada!
Calça furada-dá!
Gritavam em cadência uniforme, batendo palmas. Eugênio sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Balbuciava palavras de fraco protesto, que se sumiam devoradas pelo grande alarido.
Calça furada-dá!
No fio-fó-fó-fó!
Oia as calça dele, vovó!
Calça furada-dá!
Do outro lado do pátio, as meninas olhavam curiosas, com ar divertido, pulando e rindo. Em breve começaram a gritar também, integrando-se no coro, num alvoroço de gralhas.
O vento da manhã levava no seu sopro frio aquelas vozes agudas, espalhava-as pela cidade inteira, anunciando a toda a gente que o menino Eugênio estava com as calças rasgadas, bem naquele lugar... As lágrimas deslizavam pelo rosto do rapaz e ele deixava que elas corressem livres, lhe riscassem as faces, lhe entrassem pela boca, lhe pingassem do queixo, porque tinha ambas as mãos postas como um escudo sobre as nádegas. Agora, de braços dados, os rapazes formavam um grande círculo e giravam de um lado para outro, berrando sempre: Calça furada! Calça furada! Eugênio cerrou os olhos como para não ver por mais tempo a sua vergonha.
Soou a sineta.
Terminara o recreio. Na aula, Eugênio sentiu-se humilhado como um réu. Na hora da tabuada, a professora apontava os números no quadro-negro com o ponteiro, e os alunos gritavam em coro:
Dois e dois são quatro!
Três e três são seis!
E o ritmo desse coro lembrava a Eugênio a vaia do recreio. Calça furada-dá!
Que vergonha! O pai estava devendo o dinheiro do mês passado, a professora tinha reclamado o pagamento em voz alta, diante de todos os alunos. Ele era pobre, andava malvestido. Porque era quieto, os outros abusavam dele, botavam-lhe rabos de papel... Sábado passado ficara de castigo, de pé num canto, por estar de unhas sujas. O pior de tudo eram as meninas. Se ao menos na aula só houvesse rapazes... Meu Deus, como era triste, como era vergonhoso ser pobre!
(Erico Verissimo, Olhai os lírios do campo, Companhia das Letras, 2005. Adaptado)
Releia o período a seguir.
Porque era quieto, os outros abusavam dele, botavam-lhe rabos de papel...
Assinale a alternativa que indica a relação que a conjunção Porque estabelece entre as orações e apresenta a substituição correta da expressão em destaque, sem alte ração do sentido do texto