SóProvas


ID
1283347
Banca
FCC
Órgão
TRF - 4ª REGIÃO
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      Ao cabo de uma palestra, perguntaram-me se concordo com a tese de que só é possível filosofar em alemão. Não foi a
primeira vez. Essa questão se popularizou a partir de versos da canção “Língua”, de Caetano Veloso (“Está provado que só é possível filosofar em alemão”).
      Ocorre que os versos que se encontram no interior de uma canção não estão necessariamente afirmando aquilo que
afirmariam fora do poema. O verso em questão possui carga irônica e provocativa: tanto mais quanto a afirmação é geralmente atribuída a Heidegger, filósofo cujo tema precípuo é o ser. Ora, logo no início de “Língua”, um verso (“Gosto de ser e de estar”) explora um privilégio poético-filosófico da língua portuguesa, que é a distinção entre ser e estar: privilégio não compartilhado pela língua alemã. Mas consideremos a tese de Heidegger. Para ele, a língua do pensamento por excelência é a alemã. Essa pretensão tem uma história. Os pensadores românticos da Alemanha inventaram a superioridade filosófica do seu idioma porque foram assombrados pela presunção, que lhes era opressiva, da superioridade do latim e do francês.
      O latim foi a língua da filosofia e da ciência na Europa desde o Império Romano até a segunda metade do século XVIII, enquanto o alemão era considerado uma língua bárbara. Entre os séculos XVII e XVIII, a França dominou culturalmente a Europa. Paris foi a nova Roma e o francês o novo latim. Não admira que os intelectuais alemães - de origem burguesa - tenham reagido violentamente contra o culto que a aristocracia do seu país dedicava a tudo o que era francês e o concomitante desprezo que reservava a tudo o que era alemão. Para eles, já que a França se portava como a herdeira de Roma, a Alemanha se identificaria com a Grécia. Se o léxico francês era descendente do latino, a morfologia e a sintaxe alemãs teriam afinidades com as gregas. Se modernamente o francês posava de língua da civilização universal, é que eram superficiais a civilização e a universalidade; o alemão seria, ao contrário, a língua da particularidade germânica: autêntica, profunda, e o equivalente moderno do grego.
      Levando isso em conta, estranha-se menos o fato de que Heidegger tenha sido capaz de querer crer que a superficialidade que atribui ao pensamento ocidental moderno tenha começado com a tradução dos termos filosóficos gregos para o latim; ou de afirmar que os franceses só consigam começar a pensar quando aprendem alemão.
      Estranho é que haja franceses ou brasileiros que acreditem nesses mitos germânicos, quando falam idiomas derivados da língua latina, cujo vocabulário é rico de 2000 anos de filosofia, e que tinha - ela sim - enorme afinidade com a língua grega.
(CICERO, A. A filosofia e a língua alemã. In: F. de São Paulo. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustradi/fq0505200726. htm. Acesso em: 8/06/2014)

Deve-se entender, pelo contexto, que

Alternativas
Comentários
  • Pergunta no inicio do texto sobre a tese de  Heidegger retomada pela canção de Caetano Veloso:


    "(...)perguntaram-me se concordo com a tese de que só é possível filosofar em alemão. Essa questão se popularizou a partir de versos da canção “Língua”, de Caetano Veloso (“Está provado que só é possível filosofar em alemão”)."

    Reposta no último parágrafo do texto:

    "Estranho é que haja franceses ou brasileiros que acreditem nesses mitos germânicos, quando falam idiomas derivados da língua latina, cujo vocabulário é rico de 2000 anos de filosofia, e que tinha - ela sim - enorme afinidade com a língua grega. "

    Portanto, resposta item "A".

  • Embora concorde com a letra A, não encontrei erro na assertiva D.

  • É simples o erro da letra "D". O autor do texto não concluiu que o verso é irônico e provocativo do fato - único e isolado - de a língua alemã não ostentar o mesmo privilégio poético-filosófico (a diferenciação entre "ser" e "estar"), mas, primeiramente, do fato de o filósofo Heidegger ter como principal tema filosófico o "ser". Ora, se esse filósofo diz que só é possível filosofar em alemão, ele está errado porque, para começo de conversa, o idioma dele não tem, sequer, a extensão que o português tem - diferenciando "ser" e "estar". Aí está a ironia e a provocação::em a língua alemã não ser capaz de propiciar essa abstração/diferenciação... Entende? E justamente o cara que filosofa sobre o "ser" afirmar isso é muita, muita, muita onda! Como o alemão seria perfeito para filosofar então? Se o autor não tivesse dito que Heidegger discorria precipuamente sobre o "ser", a ironia e a provocação do verso, talvez, se quedassem fracas...   

  • Alguém evidencia qual seria o erro da D, por favor?

    Tico e teco não compreenderam o erro apontado pelo colega Genivaldo...

    Obrigado!

  • tambem nao consegui compreender por que a letra D estaria errada

  • Acredito que o erro da assertiva E encontra-se no seguinte: no último parágrafo do texto, o autor fala que ESTRANHAMENTE há franceses e brasileiros que compartilham das idéias alemãs. Ou seja: esta afirmação é contrária ao enunciado da assertiva E.