SóProvas


ID
1290826
Banca
FEPESE
Órgão
MPE-SC
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 2

Estamos todos surdos

Nós, brasileiros, temos uma enorme relutância em conviver com opiniões contrárias das nossas

Meu tio Élvio falava tão rápido e com um sotaque tão forte - mineirês da roça misturado a alguma coisa parecida com dialeto italiano da roça - que quase ninguém o entendia. Honesto, trabalhador, devotava-se por inteiro à família. Pouco porém participava da vida em comunidade, porque as sentenças que pronunciava, ininteligíveis, muitas vezes o colocavam em situações bastante complicadas, já que o interlocutor, não atinando com suas declarações, buscava adivinhá-las e depreendia o que melhor lhe aprouvesse. Só para se ter uma ideia do tamanho do problema, somente ao morrer descobrimos que seu nome não era Élvio, e sim Elmo. Mas, então, tarde demais. Se algum dia for a Rodeiro, verá inscrito em seu túmulo Élvio Gardone e entre parênteses Elmo Cardon.

Lembrei-me  de meu tio porque cada vez mais me assusta  a dificuldade que encontramos no dia a dia de manter diálogos, devido à perigosa incapacidade que estamos desenvolvendo de ouvir o outro. Não sei qual a explicação, mas tenho percebido que as pessoas apenas querem falar, falar, falar, e não lhes interessa saber o que outro pensa a respeito do assunto em pauta. Em geral, são como fontes, que no breu da noite continuam a verter água, impossibilitadas de refletir a paisagem em torno, encantadas unicamente pelo barulho que fazem e que a escuridão amplifica.

Mais estranho ainda é que, em tempos de redes sociais, essa dificuldade de compreensão se estende até mesmo aos textos escritos. Ou seja, as pessoas tomam um trecho e, ou por o  lerem de maneira desatenta ou por simplesmente não saberem interpretá-lo, rechaçam-no  de maneira peremptória, encontrando nele coisas que não estão ali consignadas. E assim se destroem amizades, erguem-se desavenças, mancham-se reputações. Aliás, nós, brasileiros, temos uma enorme relutância em conviver com opiniões contrárias ou divergentes das nossas. Somos cordiais com todos aqueles que, de alguma maneira, comungam conosco pontos de vista similares, mas basta o menor sinal de contrariedade para demonstrarmos toda a nossa intolerância. Como não estamos acostumados ao exercício do diálogo, ao invés de buscar convencer o outro com argumentos, partimos imediatamente para a tentativa de aniquilá-lo, utilizando subterfúgios como a chacota, o sarcasmo, a desinformação e até mesmo a canalhice  pura e simples.

RUFATTO, Luiz. Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/ 2014/08/12/opinion/1407871072_537360.html. Acessado em 18 de agosto de 2014.

Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ), conforme o texto 2.

( ) No subtítulo e no terceiro parágrafo, o pronome pessoal “nós” faz remissão a uma referência genérica, ao passo que no primeiro parágrafo a terceira pessoa do singular é associada a um significado referencial específico.

( ) O fato de as pessoas não falarem o português corretamente afeta sua capacidade de compreenderem o outro.

( ) O autor apresenta uma valoração depreciativa do sotaque de seu tio Élvio, associando o modo de falar ao desinteresse político do tio.

( ) Há uma relação estabelecida entre a capacidade de manter diálogos, a tolerância às opiniões alheias e a identidade nacional.

( ) O autor relativiza a característica de cordialidade do brasileiro ao correlacioná-la ao grau de convergência de opiniões entre eventuais interlocutores: à medida que a comunhão de ideias se enfraquece, a cordialidade desaparece.

Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo

Alternativas
Comentários
  • ITEM 1: No subtítulo e no terceiro parágrafo, o pronome pessoal “nós” faz remissão a uma referência genérica, ao passo que no primeiro parágrafo a terceira pessoa do singular é associada a um significado referencial específico.

                     O pronome 'nós' refere-se à intolerância dos brasileiros com opiniões contrárias às suas, portanto uma referência genérica; já o uso da 3ª pessoa no 1º parágrafo ("...não atinando comsuas declarações..." - LINHA 3), tem referência singular e específica ao tio Élvio - CORRETA, portanto;


    ITEM 2: O fato de as pessoas não falarem o português corretamente afeta sua capacidade de compreenderem o outro.

                     A idéia central do texto não está em se falar o português erradamente, até porque o tio Élvio assim falava por causa do sotaque e da rapidez (por isso não era compreendido), mas pelo fato de não se aceitar uma opinião diferente da sua, ou seja, esquece-se a cordialidade a partir do momento que se ouve idéias contrárias às nossas - ERRADA, portanto;


    ITEM 3: O autor apresenta uma valoração depreciativa do sotaque de seu tio Élvio, associando o modo de falar ao desinteresse político do tio. 

                      A valoração em tom depreciativo até pode haver, mas o modo de falar do tio Élvio está ligado ao desinteresse social, e não político, já que ele se mostrava anti-social por causa do seu modo de falar - ERRADA, portanto;


    ITEM 4: Há uma relação estabelecida entre a capacidade de manter diálogos, a tolerância às opiniões alheias e a identidade nacional. 

                     Perfeito, a dificuldade dialogal está evidente no texto, a intolerância a pensamentos distintos também, e a comparação de tudo isso com nós, brasileiros, revela a identidade nacional apontada na assertiva - CORRETA, portanto;


    ITEM 5: O autor relativiza a característica de cordialidade do brasileiro ao correlacioná-la ao grau de convergência de opiniões entre eventuais interlocutores: à medida que a comunhão de ideias se enfraquece, a cordialidade desaparece.

                     "...mas basta o menor sinal de contrariedade para demonstrarmos toda anossa intolerância." (3º PARÁGRAFO). Exatamente o que diz a assertiva é a transformação da nossa 'cordialidade' em 'intolerância' ao menos sinal de opinião divergente da nossa - CORRETA, portanto. 


    Espero ter ajudado. Bons estudos!!