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A violência contra mulher trata-se de qualquer conduta que vise ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição obstinada, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir da mulher (Brasil, 2006). É produto de relações desiguais entre homens e mulheres; ocorre em função de determinações históricas e da construção social que privilegia o masculino (Saffioti, 1999, 2001). No Brasil, o conceito se baseia, especialmente, em dois importantes documentos: a Convenção Belém do Pará (Brasil, 1996) e a Lei 11.340 (Brasil, 2006).
Partindo dos referidos documentos, a violência contra a mulher pode se efetivar como violência psicológica, física, patrimonial, moral e/ou sexual (Brasil, 2006; Silva, 2011). Quanto à primeira, diz respeito à ação que cause agravo à saúde psicológica, como dano emocional, redução da autoestima e prejuízo ao desenvolvimento. A violência física trata-se de conduta que atinja a integridade ou saúde corporal. Já a violência patrimonial abarca a retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos. A violência moral se caracteriza pela calúnia, difamação ou injúria. Por fim, a violência sexual é compreendida como conduta que leve a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada; comercializar ou utilizar, de qualquer modo, a sexualidade; não usar método contraceptivo; unir-se em matrimônio; engravidar; abortar; prostituir-se; limitar ou anular o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (Brasil, 2006, 2011a).
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Embora a violência contra a mulher esteja presente em vários momentos da história da humanidade, os questionamentos a respeito desse fenômeno são recentes. Piovesan (2009) salienta que, em função das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, a proteção aos direitos humanos, em especial, das mulheres, passou a ser reconhecida como questão de legítimo interesse e preocupação internacional. Desde então, conferências, pactos, programas e leis têm sido desenvolvidos.
Do ponto de vista internacional, Azambuja e Nogueira (2008) destacam a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, já que após ela a violência contra a mulher passou a ser considerada como crime contra a humanidade. Em 1993 e 1995, a Declaração de Direitos Humanos de Viena e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher de Pequim, respectivamente, avançaram ao reconhecer que a violência contra a mulher é específica, baseada no gênero e suscetível a ocorrer no ambiente privado (Piovesan, 2009)
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No âmbito nacional, desde o final dos anos 1970, a luta pelos direitos das mulheres e o rompimento com as situações de violência têm sido prioridade dos movimentos feministas, buscando a criação de serviços integrados de psicologia, assistência social, saúde, orientação jurídica e policial, além de casas abrigo e medidas preventivas principalmente no campo da educação (Santos, 2008). Nesse contexto, a atual Constituição Federal (Brasil, 1988) revelou avanço ao garantir igualdade de direitos entre homens e mulheres, e não menos importante foi a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Brasil, 1996) ao apontar os deveres do Estado frente à realidade social de violência.
Ao final da década de 1990, diversos países da América Latina, já haviam adotado leis a respeito da violência contra mulheres. No Brasil, Santos (2008) salienta que o processo de institucionalização das demandas feministas passou por três momentos importantes, a saber: a criação das Delegacias da Mulher, o surgimento dos Juizados Especiais e a implantação da Lei 11.340. Embora o país tenha sido pioneiro, no contexto internacional, ao implantar Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM), em 1985 – órgãos da Policia Civil que procuram dar atendimento especializado às mulheres em situação de violência – e tenha buscado agilizar o julgamento de crimes contra as mulheres, considerados até então de menor potencial ofensivo, pela constituição dos Juizados Criminais Especiais, em 1995, houve demora na implementação de uma lei específica (Azambuja & Nogueira, 2008).
A criação da Lei 11.340, conhecida como Lei "Maria da Penha" criou mecanismos para intimidar, prevenir e punir qualquer violência doméstica e familiar contra a mulher (Brasil, 2006). A promulgação da lei impulsionou a consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres que consiste num acordo entre os governos federal, estaduais e municipais para o planejamento de ações para a prevenção, combate e atendimento a essa população alvo (Brasil, 2011a). Na atualidade, a assistência às mulheres em situação de violência deve ser garantida através do atendimento humanizado e qualificado por agentes públicos e comunitários com contínua formação (Brasil, 2006).
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Mesmo com o aumento de políticas públicas de enfrentamento e erradicação (Brasil, 2011a, 2011b; Gadoni-Costa, Zucatti, & Dell';Aglio, 2011), e a inserção do poder público em espaços outrora considerados como íntimos e privados (IPEA, 2015), os índices de violência contra a mulher têm crescido no Brasil (Waiselfisz, 2012). Embora nas últimas décadas tenha havido incremento das formas de combate à violência, a ampliação dos direitos, a construção de documentos e as discussões sociais tenham privilegiado e mobilizado a condição de ser mulher no Brasil, as políticas públicas não dispõem de garantias plenas às mulheres em situação de violência doméstica e suas famílias, principalmente, as que ainda se mantém ao lado do agressor.
fonte: SOUZA, Tatiana Machiavelli Carmo e SOUSA, Yara Layne Resende. Políticas públicas e violência contra a mulher: a realidade do sudoeste goiano. Rev. SPAGESP [online]. 2015, vol.16, n.2 [citado 2017-08-28], pp. 59-74 . Disponível em: . ISSN 1677-2970.
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Gab C
a convivência prolongada com relações de violência, a legitimação social para sua perpetuação e a formação de uma identidade de gênero subordinada;