O fiscal e o menino
Já pelos meus dez anos ocupava eu um posto na Secretaria da Fazenda. A ocupação era informal, não implicava proventos ou tempo para a aposentadoria, mas o serviço era regular: acompanhava meu pai, que era fiscal de rendas, em suas visitas rotineiras aos comerciantes da cidade. Cada passada dele exigia duas das minhas, e eu ainda fazia questão de carregar sua pasta, pesada de processos. Tanto esforço tinha suas compensações: nos bares ou padarias, o proprietário lembrava-se de me agradar com doce, salgado ou refrigerante – o que configurava, como se vê, uma espécie de pacto entre interesseiros. Outra compensação encontrava eu em desfrutar, ainda que vagamente, da sombra da autoridade que emana de um fiscal de rendas. Para fazer justiça: autoridade mesmo meu pai só mostrava diante desses grandes proprietários arrogantes, que se julgam acima do bem, do mal e do fisco. E ai de quem se atrevesse a sugerir um “arranjo”, por conta da sonegação evidente...
Gostava daquele fiscal. Duro no trato com os filhos e com a mulher, intempestivo e por vezes injusto ao julgar os outros, revelava-se um coração mole diante de um comerciante pobre e em débito com o governo. Nessas situações, condescendia no prazo de regularização do imposto e instruía o pobre-diabo acerca da melhor maneira de proceder. Ao dono de um botequim da zona rural – homem viúvo, carregado de filhos pequenos, em situação quase falimentar – ajudou com dinheiro do próprio bolso, para a quitação da dívida fiscal.
Meu estágio em tal ocupação também aumentou meu vocabulário: conheci palavras como sisa, sonegação, guarda- livros, estampilha, mora e outras tantas. A intimidade com esses termos não implicava que lhes conhecesse o sentido; na verdade, muitos deles continuam obscuros para mim até hoje. De qualquer modo, não posso dizer que nunca me interessou a profissão de fiscal de rendas.
(Júlio Pietrobon das Neves)
Dado o contexto, é correto afirmar que, na frase