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ID
1428337
Banca
FCC
Órgão
SEFAZ-PI
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                         Filosofia de borracharia

     O borracheiro coçou a desmatada cabeça e proferiu a sentença tranquilizadora: nenhum problema com o nosso pneu, aliás quase tão calvo quanto ele. Estava apenas um bocado murcho.
     - Camminando si sgonfia* - explicou o camarada, com um sorriso de pouquíssimos dentes e enorme simpatia.
     O italiano vem a ser um dos muitos idiomas em que a minha abrangente ignorância é especializada, mas ainda assim compreendi que o pneu do nosso carro periclitante tinha se esvaziado ao longo da estrada. Não era para menos. Tendo saído de Paris, havíamos rodado muito antes de cair naquele emaranhado de fronteiras em que você corre o risco de não saber se está na Áustria, na Suíça ou na Itália. Soubemos que estávamos no norte, no sótão da Itália, vendo um providencial borracheiro dar nova carga a um pneu sgonfiato.
     Dali saímos - éramos dois jovens casais num distante verão europeu, embarcados numa aventura que, de camping em camping, nos levaria a Istambul - para dar carga nova a nossos estômagos, àquela altura não menos sgonfiati. O que pode a fome, em especial na juventude: à beira de um himalaia de sofrível espaguete fumegante, julguei ver fumaças filosóficas na sentença do tosco borracheiro. E, entre garfadas, sob o olhar zombeteiro dos companheiros de viagem, me pus a teorizar.
     Sim, camminando si sgonfia, e não apenas quando se é, nesta vida, um pneu. Também nós, de tanto rodar, vamos aos poucos desinflando. E por aí fui, inflado e inflamado num papo delirante. Fosse hoje, talvez tivesse dito, infelizmente com conhecimento de causa, que a partir de determinado ponto carecemos todos de alguma espécie de fortificante, de um novo alento para o corpo, quem sabe para a alma.

* Camminando si sgonfia = andando se esvazia. Sgonfiato é vazio; sgonfiati é a forma plural.

                                                  (Adaptado de: WERNECK, Humberto – Esse inferno vai acabar. Porto
                                                                                                          Alegre, Arquipélago, 2011, p. 85-86)

Atente para as seguintes afirmações:

I. A frase dita pelo borracheiro nada indiciou aos jovens turistas, que não sabiam em que país estavam - o que só veio a se esclarecer durante a refeição tipicamente italiana.

II. A familiaridade que um dos jovens revelou ter com o idioma italiano permitiu-lhe deduzir da frase do borracheiro uma súmula filosófica.

III. Como conclusão do antigo episódio narrado, o cronista lembra o quanto a vida acaba por nos tornar necessitados de novo ânimo para seguir vivendo-a.

Em relação ao texto, está correto o que se afirma em

Alternativas
Comentários
  • Gab. E

    I. A frase dita pelo borracheiro nada indiciou aos jovens turistas, que não sabiam em que país estavam - o que só veio a se esclarecer durante a refeição tipicamente italiana. Errada, eles se deram conta que estavam na Itália com a frase do borracheiro.

    II. A familiaridade que um dos jovens revelou ter com o idioma italiano permitiu-lhe deduzir da frase do borracheiro uma súmula filosófica. Errada, o texto menciona apenas o jovem que não conhece o idioma.

    III. Como conclusão do antigo episódio narrado, o cronista lembra o quanto a vida acaba por nos tornar necessitados de novo ânimo para seguir vivendo-a.  Correta, determinado ponto carecemos todos de alguma espécie de fortificante, de um novo alento para o corpo, quem sabe para a alma.

    bons estudos!

  • Pessoal! Vamos pedir o comentário do professor em todas as questões? Assim melhoraremos nosso conhecimento...beleza?

  • Tiago, o que te levou a concluir que a fala não é do jovem que tem familiaridade com o italiano? Eu não consegui encontrar no texto essa passagem. Alguém pode me ajudar?

  • Guilherme, atente para o seguinte trecho do texto:

    "O italiano vem a ser um dos muitos idiomas em que a minha abrangente ignorância é especializada, mas ainda assim compreendi que o pneu do nosso carro periclitante tinha se esvaziado ao longo da estrada." 


    O autor do texto revela que tem "ignorância" (no sentido de não ter conhecimento) do idioma italiano, mas que, mesmo assim (embora "não familiarizado" com o idioma), conseguiu compreender a frase do borracheiro.


    Bons estudos!

  • Acredito que o jovem, se por ventura soubesse o idioma italiano, não chegou àquele pensamento porque tinha conhecimento do idioma, mas sim devido a sua eventual maneira de pensar.