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ID
1428340
Banca
FCC
Órgão
SEFAZ-PI
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                         Filosofia de borracharia

     O borracheiro coçou a desmatada cabeça e proferiu a sentença tranquilizadora: nenhum problema com o nosso pneu, aliás quase tão calvo quanto ele. Estava apenas um bocado murcho.
     - Camminando si sgonfia* - explicou o camarada, com um sorriso de pouquíssimos dentes e enorme simpatia.
     O italiano vem a ser um dos muitos idiomas em que a minha abrangente ignorância é especializada, mas ainda assim compreendi que o pneu do nosso carro periclitante tinha se esvaziado ao longo da estrada. Não era para menos. Tendo saído de Paris, havíamos rodado muito antes de cair naquele emaranhado de fronteiras em que você corre o risco de não saber se está na Áustria, na Suíça ou na Itália. Soubemos que estávamos no norte, no sótão da Itália, vendo um providencial borracheiro dar nova carga a um pneu sgonfiato.
     Dali saímos - éramos dois jovens casais num distante verão europeu, embarcados numa aventura que, de camping em camping, nos levaria a Istambul - para dar carga nova a nossos estômagos, àquela altura não menos sgonfiati. O que pode a fome, em especial na juventude: à beira de um himalaia de sofrível espaguete fumegante, julguei ver fumaças filosóficas na sentença do tosco borracheiro. E, entre garfadas, sob o olhar zombeteiro dos companheiros de viagem, me pus a teorizar.
     Sim, camminando si sgonfia, e não apenas quando se é, nesta vida, um pneu. Também nós, de tanto rodar, vamos aos poucos desinflando. E por aí fui, inflado e inflamado num papo delirante. Fosse hoje, talvez tivesse dito, infelizmente com conhecimento de causa, que a partir de determinado ponto carecemos todos de alguma espécie de fortificante, de um novo alento para o corpo, quem sabe para a alma.

* Camminando si sgonfia = andando se esvazia. Sgonfiato é vazio; sgonfiati é a forma plural.

                                                  (Adaptado de: WERNECK, Humberto – Esse inferno vai acabar. Porto
                                                                                                          Alegre, Arquipélago, 2011, p. 85-86)

Por valorizar recursos expressivos da linguagem, o autor da crônica,

Alternativas
Comentários
  • Acredito que em:

    A, o erro está em atribuir erroneamente a característica "familiar" ao termo calvo referindo-se a pneu.

    C, não tem uso de indicador de tempo pra denotar extensão de território percorrido, como a questão diz que tem.

    D, himalaia está se referindo a um prato cheio de massa.

    E, há num discurso inflamado, uma postura de diálogo; não de reflexão.

  • Para mim, estas são as justificativas:

    a) INCORRETA - o termo calvo não é familiarmente usado para o pneu. Se ele tivesse dito "quase tão careca quanto ele", daí sim estaria correta.
    b) CORRETA - o autor é irônico ao atribuir a qualidade de "especializada" a sua ignorância.
    c) INCORRETA - o autor utiliza um indicador de distância/geográfico ("distante") para denotar o tempo que já transcorreu.
    d) INCORRETA - himalaia de espaguete = montanha de macarrão.
    e) INCORRETA - embora os dois termos (inflado e inflamado) possam reforçar o estado de espírito reflexivo do personagem, não são sinônimos.


  • a) Ao contrário, ele qualificou o pneu com característica do borracheiro. Diz que o pneu que está quase tão calvo quanto o borracheiro. 

    b) Correta

    c) autor não indica tempo e sim de distância.

    d) Ele se refere ao espaguete, uma montanha de espaguete.

    e) os termos não são sinônimos. 

  • Tá faltando uma crase aí confere?

     

     b) no segmento minha abrangente ignorância é especializada (3o parágrafo), é irônico ao atribuir a ignorância qualidades aplicáveis a um alto conhecimento.