Desmantelo só quer começo
    Onze controles remotos, eis o surpreendente saldo da  minha faxina: 11 controles remotos que há muito já não controlavam, mesmo que remotamente, coisa alguma.
    Ao longo dos anos, as TVs, aparelhos de som, DVDs e  videocassetes a que serviram foram partindo e deixando-os  para trás: órfãos, sem ocupação ou residência fixa, vagavam  pela casa ao sabor do acaso. Terminada a arrumação, meti  todos eles numa sacolinha plástica e joguei na lixeira.
    Imagino que jogar controles remotos no lixo fira gravemente alguma regra ecológica, mas a visão daqueles defuntos eletrônicos me trouxe um sentimento de urgência: eram  eles ou eu.
    Meu finado tio-avô costumava dizer que “Desmantelo só  quer começo". O cronista Humberto Werneck, atento à grandeza que o miúdo esconde, escreveu uma vez sobre a traiçoeira contribuição dos copos de requeijão para o fim de um  casamento.
    Aos poucos, esses intrusos vão cavando espaço no armário da cozinha, empurrando lá pro fundo as taças que, no  início do namoro, assistiam da primeira fila aos beijos e abraços - é a vulgaridade galgando o terreno da paixão.
    Até que um belo dia você acorda e descobre que o vinho  do amor virou água da bica num copo da Itambé - “Desmantelo só quer começo".
    Tenho medo: numa casa em que 11 finados controles remotos permanecem insepultos por anos a fio, o desmantelo  já começou faz tempo, já criou raízes, frutos, lançou esporos.  Minha cozinha é cheia de copos de requeijão.
    Digo a mim mesmo, enquanto vejo o caminhão de lixo  deglutir os expurgos da minha faxina: este é o início de uma  nova fase, a partir de agora serei um exemplo de organização.
    Entro em casa de queixo erguido, peito estufado e meu  ânimo dura quatro segundos: só até ver minha mulher com as  mãos enfiadas entre as almofadas do sofá, perguntando se  por acaso eu não vi, em algum lugar, o controle da televisão.
                                                                          (Antonio Prata, Folha de S.Paulo, 04.05.2014. Adaptado)
Terminada a arrumação, meti todos eles numa sacolinha plástica e joguei na lixeira. 
O trecho em destaque está corretamente substituído,  com as relações de sentido originais preservadas e em  conformidade com a norma-padrão da língua portuguesa, por: