Demarcação das Terras Indígenas 
    O Instituto Socioambiental (ISA) vem alertando para a lentidão na demarcação das terras indígenas e para o baixo grau de efetividade nos processos de consulta aos grupos cujas terras estão sujeitas ao impacto de grandes obras públicas. 
    Nos governos eleitos sob a égide da Constituição de 1988, foram identificados e demarcados cerca de dois terços  das  terras  indígenas. Grandes  batalhas  foram  travadas  e  o  reconhecimento  das  terras  avançou  de  forma desigual. 
    Hoje, a maior parte dos conflitos está no Sul, Sudeste, Nordeste e em Mato Grosso do Sul, na metade não amazônica do país, onde vivem 40% da população indígena em 1,5% da extensão total das terras dos índios. Nessa metade se concentrou o processo de colonização e é onde estão 85% da população brasileira. A aplicação do artigo 231  da  Constituição  resultaria  no  reconhecimento  de  terras  indígenas  em  extensão  suficiente  para  garantir  a reprodução  física  e  cultural  de  seus  ocupantes.  Já  há  e  ainda  haverá  situações  em  que  sua aplicação  não  será suficiente para prover  terras em extensão mínima que garanta a sobrevivência e a  reprodução cultural  de grupos específicos. Não  faz sentido desprover de direitos as pessoas que dispõem de  títulos  legítimos e às quais não se pode atribuir responsabilidades por políticas impostas aos índios no passado pela União ou pelos estados. 
    Assim  como  na  Amazônia,  também  é  maior  a  extensão  das  propriedades,  dos  assentamentos,  das unidades de conservação ou de áreas destinadas à defesa nacional. 
    No resto do país, diante do denso processo de ocupação econômica e demográfica, o reconhecimento de terras  indígenas enfrentou mais dificuldades, assim  como  tende a afetar mais pessoas e  interesses econômicos. Pior  ficou a situação de povos, como os Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul, que permaneceram  invisíveis ao Estado brasileiro por longo tempo, sendo que hoje se sabe tratar-se da mais populosa etnia no Brasil, mas que não dispõe de terras nem sequer na dimensão destinada aos assentados da reforma agrária. 
    Há  equívoco  quando  é  advogada  a  revisão  pela  Embrapa  dos  laudos  antropológicos  que  embasam  as demarcações. O  critério  de  “produtividade”,  evocado  para  excluir  áreas  com  potencial  produtivo  dos  limites  das terras a serem demarcados, além de  inconstitucional e discriminatório, deixaria a Embrapa na situação de  ter que responder, judicialmente, por prejuízos causados aos índios. 
    Pior  ainda  é  a  iniciativa  da  bancada  ruralista,  que  pretende  emendar  a  Constituição  para  exigir  a homologação  das  terras  pelo Congresso,  que  tem  exercido  com  dificuldade  a  sua  função  legislativa  e  não  teria como produzir juízo técnico sobre a destinação de terras, tarefa típica do Executivo. O resultado seria a paralisação das demarcações e a transferência das decisões para o Congresso. 
    Nos casos em que a aplicação do artigo 231 forem insuficientes, como é o caso dos Guarani-Kayowá, uma solução  justa  e  legal  é  a  desapropriação  de  áreas,  indenizando-se  os  proprietários  pelo  valor  das  terras,  o  que poderá  representar um custo menor do que suportar processos conflitivos, com  recurso à violência ou à  justiça e com resultados menos efetivos para todos. 
    Não  é  preciso  burocratizar  o  procedimento  administrativo  para  a  demarcação,  que  já  foi  juridicamente saneado em 1996. É preciso dotar a Funai de instrumentos para desapropriar e indenizar com presteza com títulos de  efetivo  valor  (como  os  títulos  da  dívida  agrária),  para  enfrentar  situações específicas  que  geram  conflitos  e perpetuam injustiças. 
    O bater de cabeças entre ministros e parlamentares não resolve a questão. Cabe ao ministro da Justiça a responsabilidade  de  retomar  o  processo  demarcatório,  provendo  os  instrumentos  para  que  a União  conclua,  de forma ágil e justa, o resgate de direitos que se espera há 25 anos. 
 Márcio Santilli. O Globo Amanhã. P.29 28-05-2013. ( Adaptado)  
 
Em “ É preciso dotar a Funai”, a palavra sublinhada pode ser substituída, sem alteração de sentidos, por