SóProvas


ID
1520926
Banca
FEMPERJ
Órgão
TCE-RJ
Ano
2012
Provas
Disciplina
Direito Administrativo
Assuntos

Na condição de Prefeito do Município de Pasárgada, Manuel Bandeira realizou, de forma continuada, durante o ano de 2005, contratações irregulares de obras e serviços públicos, utilizando indevidamente rendas públicas em benefício de terceiros, causando com isso prejuízo ao Erário municipal, mediante fraude ao devido procedimento licitatório, além de negar vigência à lei federal.
Por meio de procedimento investigatório, o Ministério Público logrou reunir elementos que comprovam a reiterada prática de procedimentos licitatórios eivados de vícios de forma e de conteúdo, além de direcionamento e favorecimento de licitantes.
De forma resumida, o Prefeito determinava a compra de materiais, por carta-convite, em valores superiores a R$ 95.000,00, sendo anexadas certidões relativas a empresas diversas emitidas no mesmo horário, em claro indício de que houve montagem do procedimento para direcionar o resultado. Foi o agente denunciado nas disposições dos arts. 89, caput (“Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade"), e 90 (“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação"), ambos da Lei nº 8.666/93, bem como art. 1º, incisos II (“utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos") e XIV, primeira figura (“Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar motivo de recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente"), do Decreto-lei nº 201/67, combinados com os arts. 69, 70 e 71 do Código Penal.
Analisando a denúncia, após o devido trâmite procedimental, o Julgador recebeu parcialmente a acusação, estabelecendo:

I. com referência do crime previsto no art. 90 da Lei de Licitações, a doutrina sustenta que sua consumação dá-se com o mero ajuste, combinação ou adoção do expediente no procedimento da licitação, independente da efetiva adjudicação ou obtenção da vantagem econômica, sendo o crime formal;
II. o crime de responsabilidade dos prefeitos municipais, do art. 1º, inciso II, criminaliza o denominado “peculato de uso", tipificando como crime funcional a conduta de utilizar-se o agente público municipal, indevidamente, sem animus domini, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos, não sendo esta figura penal configurada na hipótese apresentada, ante ao manejo de dinheiro pelo agente;
III. embora contrários a preceitos licitatórios, os dispêndios realizados pelo agente se fizeram, na ótica das normas orçamentário-financeiras, de acordo com o preceituado para a modalidade licitatória escolhida (carta-convite), não sendo correto imputar os crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais;
IV. não houve dispensa ou inexigibilidade indevidas de licitação, mas fraudes decorrentes da adoção de modalidades impróprias de certame licitatório.

Estão corretas as assertivas:

Alternativas
Comentários
  • Julguemos as assertivas propostas:

    I- Certo:

    O crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93 encontra-se tipificado nos seguintes termos:

    "Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

    Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa."

    Realmente, a doutrina pátria possui entendimento no sentido que a consumação opera-se com o mero ajuste, sendo o efetivo recebimento de vantagem exaurimento do crime, a ser considerado para fins de imposição da pena.

    No ponto, eis a lição ofertada por Jessé Torres:

    "Consuma-se o fato típico com a frustração ou a fraude do caráter competitivo da licitação, independentemente de ter o agente auferido a vantagem a que objetivava a conduta punível. A obtenção da referida vantagem, se constitui elementar do tipo subjetivo, sublinhando o especial fim de agir, não é condição para a consumação do delito, que se aperfeiçoa com a só conduta de frustrar o torneio licitatório. Se o agente, porém, chegar a alcançar a vantagem, através da adjudicação do objeto da licitação, temos o exaurimento do crime, o que deve ser levado em consideração pelo juiz na imposição da pena."

    Escorreita, pois, esta primeira assertiva.

    II- Certo:

    Cuida-se de afirmativa em perfeita sintonia com a jurisprudência do STF, a qual, de fato, rechaça a caracterização do peculato de uso na hipótese de manejo de dinheiro, como seria o caso desta questão. Com efeito, em situação bastante similar, assim decidiu nossa E. Corte Suprema:

    "PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. PARLAMENTAR FEDERAL. DENÚNCIA OFERECIDA. ARTIGOS 89, CAPUT, E 90 DA LEI Nº 8.666/93 e ART. 1º, INCISOS II E XIV, DO DL Nº 201/67. ARTIGO 41 DO CPP. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. CONFORMIDADE ENTRE OS FATOS DESCRITOS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA E O TIPO PREVISTO NO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/93. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. PECULATO DE USO (ART. 1º, II, DO DL 201/67). AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO TÍPICA. CORREÇÃO DA CAPITULAÇÃO EMPREENDIDA NA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NEGATIVA DE EXECUÇÃO DE LEI (ART. 1º, XIV, DO DL Nº 201/67). CONSUNÇÃO RECONHECIDA. MANIFESTA AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO TÍPICA QUANTO AO CRIME DO ART. 89 DA LEI N° 8.666/93. RECEBIMENTO PARCIAL DA DENÚNCIA. 
    1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato probatório mínimo que autorize a deflagração da ação penal contra o denunciado, levando em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal. 
    2. A denúncia somente pode ser rejeitada quando a imputação se referir a fato atípico, certo e delimitado, apreciável desde logo, sem necessidade de produção de qualquer meio de prova, eis que o juízo acerca da correspondência do fato à norma jurídica é de cognição imediata, incidente, partindo-se do pressuposto de sua veracidade, tal como se dá na peça acusatória. 
     3. As imputações feitas ao denunciado na denúncia, foram de, na condição de prefeito municipal, haver fraudado licitações e se utilizado indevidamente em favor de terceiros de valores do erário. 
    4. Encontram-se preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, havendo justa causa para a deflagração da ação penal em relação ao crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93. 
     5. No peculato de uso, previsto no inciso II do art. 1º do DL nº 201/67, o sujeito ativo do crime utiliza-se, ilicitamente, de bens, rendas ou serviços públicos, em seu proveito ou de terceiros, agente público ou não. Não se pode falar em peculato de uso quando versar sobre dinheiro, ou seja, coisa fungível. Se o funcionário usar dinheiro que tem sob sua guarda para seu próprio benefício, pratica o delito de peculato. 
    6. Inviável, no caso, a alteração excepcional na classificação do fato descrito na denúncia, dada a ausência de conformidade entre os fatos e os demais crimes previstos no Decreto-lei nº 201/67. 
    7. Se um crime é meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução de outro crime, encontrando-se, portanto, o fato previsto em uma lei inserido em outro de maior amplitude, permite-se apenas uma única tipificação, por óbvio, a mais ampla e específica (por força do fenômeno da consunção): no caso em exame, exatamente a do crime previsto no art. 90, da Lei nº 8.666/93, não se legitimando o processamento e o julgamento do denunciado por dois crimes distintos.
    8. Não se cuida, na espécie, de imputação de crimes decorrentes da dispensa ou inexigibilidade indevidas de licitação, mas de fraudes decorrentes da adoção de modalidade imprópria de certame licitatório, não havendo, a esse respeito, a devida e necessária conformação e correlação entre os fatos e o tipo penal que se diz violado. 
     9. Denúncia recebida em parte."
    (Inquérito 3108, Plenário, rel. Ministro DIAS TOFFOLI, 15.12.2011)

    Acertada, pois, esta segunda proposição.

    III- Certo:

    Trata-se, de novo, de afirmativa sintonizada com o entendimento adotado pelo STF, no bojo do precedente acima indicado. Neste particular, o exame do voto conduta, da lavra do Ministro DIAS TOFFOLI, permite a conclusão de que restaram afastadas as práticas dos delitos versados no art. 1º, V, do Decreto-lei 201/67 e art. 359-D do Código Penal, que ora transcrevo para melhor exame:

    "Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

    (...)

    V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes;

    (...)

    Art. 359-D. Ordenar despesa não autorizada por lei:

    Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos."

    A propósito destes tipos penais, o referido ministro escreveu:

    "(...)Assim, não se amoldando os fatos narrados na exordial acusatória perfeitamente a qualquer dos citados tipos, uma vez, embora, em tese, contrários a preceitos da Lei de Licitações, os dispêndios realizados pelo agente se fizeram, na ótica das normas orçamentário-financeiras, de acordo com o preceituado para a modalidade licitatória escolhida (carta-convite), a denúncia também, não comporta processamento nesse particular."

    IV- Certo:

    Esta última afirmativa encontra amparo expresso, outra vez, no precedente do STF acima apontado, mais precisamente no item n.º 8 da ementa, que inclusive foi ressaltado em negrito.

    Logo, todas as proposições estão corretas.


    Gabarito do professor: E

    Bibliografia:

    PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 7ª ed. Rio de Janeiro, São Paulo e Recife: Renovar, 2007.