Texto I  -  O rádio, esse mistério 
      Modéstia à parte, também tenho lá a minha experiência  em rádio. Quando era menino, em Belo Horizonte, fui locutor do  programa "Gurilândia" da Rádio Guarani. Não me pagavam  nada, a Rádio Guarani não passando de pretexto para namorar  uma menina que morava nas imediações. Mas ainda assim,  bem que eu deitava no ar a minha eloquência cheia de efes e  erres, como era moda na época. Quase me iniciei nas  transmissões esportivas, incitado pelo saudoso Babaró, que era  o grande mestre de então, mas não deu pé: eu não conseguia  guardar o nome dos jogadores. 
      Em compensação, minha irmã Berenice me estimulando  a inspiração, usei e abusei do direito de escrever besteiras,  mandando crônicas sobre assuntos radiofônicos para a revista  "Carioca". "O que pensam os rádio-ouvintes" era o nome do  concurso permanente. Com o quê, tornei-me entendido em  Orlando Silva, Carmen Miranda, César Ladeira, Sílvio Caldas,  Bando da Lua, Assis Valente, Ary Barroso, e tudo quanto era  cantor, locutor ou compositor de sucesso naquele tempo. 
      Rádio é mesmo uma coisa misteriosa. Começou fazendo  sucesso na sala de visitas, acabou na cozinha. Cedeu lugar à  televisão, que já vai pelo mesmo caminho. Ninguém que se  preze [...] tem coragem de se dizer ouvinte de rádio - a não ser  de pilha, colado ao ouvido, quando apanhado na rua em dia de  futebol. Mas a verdade é que tem quem ouça. Ainda me lembro  que Francisco Alves morreu num fim de semana, sem que a  notícia de sua morte apanhasse nenhum jornal antes do  enterro; bastou ser divulgada pelo rádio, e foi aquela apoteose  que se viu. 
      Todo mundo afirma que jamais ouve rádio, e põe a culpa  no vizinho, embora reconhecendo que deve ter uma grande  penetração, "principalmente no interior". Os ouvintes, é claro,  são sempre os outros.
      Mas hoje estou pensando no mistério que é o rádio,  porque de repente me ocorreu ter vivido uma experiência para  cujas consequências não encontro a menor explicação, e que  foram as de não ter consequência nenhuma. 
      Todo mundo sabe que a BBC de Londres é uma das  mais poderosas e bem organizadas estações radiofônicas do  mundo.  [...] Ao longo de dois anos e meio, chovesse ou  nevasse, fizesse frio ou gelasse, compareci semanalmente aos  estúdios do austero edifício da Bush House em Aldwich, para  gravar uma crônica, transmitida toda terça-feira, exatamente às  8 e 15 da noite, hora de Brasília, ou zero hora e quinze de  quarta-feira, conforme o Big Ben. Eram em torno de 10 minutos  de texto que eu recitava como Deus é servido, seguro de estar  sendo ouvido por todo o Brasil, "principalmente no interior". E  imaginava minha voz chegando a cada cidade, a cada fazenda,  a cada lugarejo perdido na vastidão da pátria amada. [...] 
      Pois bem  - e aí está o mistério que me intriga: sei de  fonte limpa que os programas da BBC têm no Brasil esses  milhares de ouvintes. No entanto, nunca encontrei ninguém que  me tivesse escutado: nem um comentário, uma palavra, uma  carta, ainda que desfavorável  - nada. A impressão é de que  passei todo esse tempo falando literalmente para o éter, sem  que nenhum ouvido humano me escutasse. [...]
                                                                                (Fernando Sabino.  Deixa o Alfredo falar! Rio de  Janeiro: 
                                                                                                                             Record, 6.ed. 1976. pp. 36-37) 
Texto II  -  A era do rádio e dos compositores 
      Televisão, internet, telefone celular - esta é sem dúvida  a era da comunicação. Estamos nela. É difícil para o homem do  século  XXI compreender o impacto do primeiro veículo de  comunicação de massa do mundo, ainda na década de 1930: o  rádio, que cumpriu um destacado papel social tanto na vida  privada como na vida pública [...]
      O aparecimento do rádio mudou a relação dos indivíduos  com a notícia, que passou a ser mais veloz e abrangente.  Homens e mulheres, analfabetos e letrados, eram ouvintes das  mesmas informações, compartilhando um repertório de questões a serem discutidas. O país ganhava mais uma fonte de  integração nacional. 
                                                   (André Diniz.  Almanaque do samba. Rio de Janeiro: Zahar,  2006. p. 53) 
  Texto III 
      A novidade da radiodifusão criou uma relação privilegiada entre artista e público. Pela primeira vez na história, a arte  do canto tinha uma massa crescente de ouvintes. Na verdade,  grande parte dos cantores apareceu para o público através dos  programas de calouros que agitaram a vida artística do rádio de  1930 até meados da década de 1950. [...] 
      Muitos foram os jovens que se apresentavam nos programas sonhando ser famosos cantores de rádio, cortejados e  admirados pelos fãs. Para eles, geralmente advindos das  camadas mais simples da sociedade, mal-remunerados, representantes de um país com grandes disparidades sociais, ser  cantor de rádio representava,  sobretudo, ascensão social.  Poucos conseguiram um espaço no competitivo mercado.  Pouquíssimos se tornaram ícones da voz. [...] 
      A onipresença desses cantores na Era do Rádio ofuscou  a participação de outros intérpretes do nosso cancioneiro. É  como se as vozes de Francisco Alves, Mário Reis, Orlando  Silva, Sílvio Caldas e Ciro Monteiro equacionassem a síncope,  a bossa e a malandragem do samba urbano. Seus peculiares e  diversificados estilos moldaram toda uma era. 
                                              (André Diniz.  Almanaque do samba. Rio de Janeiro: Zahar,  2006, pp. 51-52)
Para eles,  (...) ser cantor de rádio representava, sobretudo, ascensão social.   (Texto III, 2o  parágrafo)   
O sentido da afirmativa acima pode ser corretamente  relacionado com a seguinte frase: