SóProvas


ID
1648786
Banca
IESES
Órgão
MSGás
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Atenção: Nesta prova, considera-se uso correto da Língua Portuguesa o que está de acordo com a norma padrão escrita. 

                      Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio       Estou deitado na margem. Dois barcos, presos a um tronco de salgueiro cortado em remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não da corrente, que é macia, vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente, conheço-a. Por uma aberta entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja de vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom de pérola que é o dia que se extingue. Entretanto, o rio corre. Mais propriamente se diria: anda, arrasta-se - mas não é costume.

      Três metros acima da minha cabeça estão presos nos ramos rolos de palha, canalhas de milho, aglomerados de lodo seco. São os vestígios da cheia. À esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por obra do vento que Ihes  estremece as folhas numa vibração interminável, me fazem lembrar o interior de uma colmeia. É o mesmo fervilhar, numa espécie de zumbido vegetal, uma palpitação (é o que penso agora), como se dez mil aves tivessem brotado dos ramos uma ansiedade de asas que não podem perder voo.

      Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio. Vem agora no vento, da aldeia que não está longe, um lamentoso toque de sinos: alguém morreu, sei quem foi, mas de que serve dizê-Io? Muito alto, duas garças brancas (ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um bailado sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois continuar o seu, sem mim.

      Olho agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como escorregam ao longo das margens, as espadanas verdes, as plataformas de limos onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas tira-olhos) pousam a extremidade das pequenas garras – este rio é qualquer coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre. Naveguei nele, aprendi nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde os barbos pairam imóveis. É mais do que um rio, é talvez um segredo.

      E, contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas, arrasta-as e vai arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui, na terra) de sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde que me deitei na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou aquele tronco apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um arrepio, as garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa, calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso, lanço-o pelo ar, num gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei), atravessa as águas opacas, assenta no lodo do fundo, enterra-se um pouco. Mudou de sítio, talvez o inverno arraste para mais longe, o restitua à margem donde o tirei. Talvez ali fique para sempre. 

      Desço até à água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da memória outras mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de um toque vagaroso de sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu sacudo as mãos molhadas de tempo, levandoas até aos olhos – as minhas mãos de hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.

                          SARAMAGO, José. Deste mundo e do outro. Lisboa: Caminho, 1985. 


Observe o seguinte período retirado do texto: “Devagar levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa, calço-me.”

Com relação à colocação pronominal, assinale a alternativa que oferece a definição correta sobre os termos grifados.

Alternativas
Comentários
  • RESPOSTA A


    Ênclise: quando o pronome oblíquo está depois do verbo, é utilizada, basicamente, quando não há fator de próclise.


    (...), calço-me: não é possível próclise, pois não é possível início de oração com P.O.A ou quando ocorre pausa antes do verbo.


    (...)Devagar levanto-me : a alternativa A está correta não somente por citar ênclise, mas por falar "podemos", pois nesse caso de verbo auxiliar + gerúndio, se não houver palavra atrativa, o P.O.A pode vir no meio dos verbos ou depois. Então : Devagar me levanto ou Devagar levanto-me. Ou seja, a B está errada pois Devagar não é palavra atrativa.


     Mesóclise só ocorre com verbos no futuro do pretérito do indicativo sem palavra atrativa (acompanhá-la-ia) ou verbo no futuro do presente do indicativo sem palavra atrativa(realizar-se-á). 










  • Ambos são casos de ÊNCLISE, ou seja, colocação do pronome oblíquo átomo após o verbo. 


    Logo, Gab. A
  • Devagar é advérbio.

    Há a omissão de uma vírgula no escopo da questão. 

    Observe o seguinte período retirado do texto: “Devagar levanto-me,  (está faltando a vírgula)

    No texto original: Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa, calço-me. 

    Quando houver vírgula separando a palavra atrativa, depois do advérbio, aquela perde a força e não se pode usar próclise, e sim ênclise: Às vezes, sinto-me triste. Aqui, trabalha-se


  • Gérson concordo.

    Devagar é advérbio a alternativa está errada .

    Cabe recurso.

  • Ocorre a ênclise, mesmo que empregada de maneira errada após um advérbio de modo. Não há vírgula apor o advérbio, a próclise é a maneira correta de colocação pronominal. Mas não tinha essa opção.