Palavras jogadas fora
Quando criança, convivia no interior de São Paulo
com o curioso verbo pinchar e ainda o ouço por lá
esporadicamente. O sentido da palavra é o de “jogar fora"
(pincha fora essa porcaria) ou “mandar embora" (pincha
esse fulano daqui). Teria sido uma das muitas palavras
que ouvi menos na capital do estado e, por conseguinte,
deixei de usar. Quando indago às pessoas se conhecem
esse verbo, comumente escuto respostas como “minha
avó fala isso". Aparentemente, para muitos falantes, esse
verbo é algo do passado, que deixará de existir tão logo
essa geração antiga morrer.
As palavras são, em sua grande maioria, resultados
de uma tradição: elas já estavam lá antes de nascermos.
“Tradição", etimologicamente, é o ato de entregar, de
passar adiante, de transmitir (sobretudo valores culturais).
O rompimento da tradição de uma palavra equivale à sua
extinção. A gramática normativa muitas vezes colabora
criando preconceitos, mas o fator mais forte que motiva
os falantes a extinguirem uma palavra é associar a
palavra, influenciados direta ou indiretamente pela visão normativa, a um grupo que julga não ser o seu. O pinchar,
associado ao ambiente rural, onde há pouca escolaridade
e refinamento citadino, está fadado à extinção?
É louvável que nos preocupemos com a extinção
de ararinhas-azuis ou dos micos-leão-dourados, mas a
extinção de uma palavra não promove nenhuma comoção,
como não nos comovemos com a extinção de insetos, a
não ser dos extraordinariamente belos. Pelo contrário,
muitas vezes a extinção das palavras é incentivada.
VIARO, M. E. Língua Portuguesa, n. 77, mar. 2012 (adaptado).
A discussão empreendida sobre o (des)uso do verbo
“pinchar" nos traz uma reflexão sobre a linguagem e seus
usos, a partir da qual compreende-se que