Trata a presente questão de importante instituto no ordenamento jurídico brasileiro, a perda de uma chance, teoria caracterizada pela indenizabilidade decorrente da subtração da oportunidade
futura de obtenção de um benefício ou de evitar um prejuízo. Senão vejamos:
A indenização por perda de uma chance, segundo entendimento doutrinário e pretoriano dominante, é devida quando:
A) a pessoa tenha de sofrer um dano imediato e concreto.
Inicialmente, a fim de que haja uma ampla compreensão da questão pelo candidato, é preciso que se entenda, pormenorizadamente, o tema em debate. Neste sentido, Cavalieri Filho (2008, p. 75), caracteriza a perda de uma chance quando:
"Em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante."
Savi (2006, p.1), por sua vez, descreve o instituto como sendo a situação em que, "tendo em vista o ato ofensivo de uma pessoa, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo".
Ora, perceba que pela impossibilidade de se determinar qual seria o resultado final, diz que o dano aqui é de difícil verificação e quantificação e, portanto, não pode ser tido como imediato e concreto. A responsabilização pela perda de uma chance pressupõe, em verdade, perda de justas expectativas da pessoa em melhorar a sua situação jurídica, não se mensurando pelo resultado que poderia ser alcançado, por não se tratar de reparação por um dano imediato, mas pela perda da oportunidade de conseguir alcançá-lo. Em outras palavras, o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da obtenção da oportunidade de chance de um resultado útil ou somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Assim, o fato em si não ocorreu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do agente. Então, o que se quer indenizar aqui não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo.
De acordo com esta teoria, a perda da chance de obter esta vantagem é feita utilizando um critério de probabilidade, tendo em vista que este prejuízo tem caráter de dano emergente e não de lucro cessante, uma vez que o seu critério de fixação é feito tomando por norte a verossimilhança, pois jamais será possível afirmar que realmente o prejudicado teria alcançado aquela vantagem na hipótese da não ocorrência do ato ou fato do agente que o privou da chance de poder chegar ao resultado esperado.
Esse é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE
CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS CARGOS JÁ
EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE
UMA CHANCE. HIPÓTESE EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS
JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO
CERTO SOBRE O QUAL NÃO RESTA DÚVIDAS. NOVA
MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE
REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO.
RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO.
1. A teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento
jurídico brasileiro como sendo uma das modalidades possíveis de
mensuração do dano em sede de responsabilidade civil. Esta modalidade
de reparação do dano tem como fundamento a probabilidade e uma
certeza, que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria
em prejuízo. Precedente do STJ.
2. Essencialmente, esta construção teórica implica num novo critério de
mensuração do dano causado. Isso porque o objeto da reparação é a perda
da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo que "há que se
fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo.
A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que
refletirá no montante da indenização.
3. Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas
stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado.
Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à
interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente
público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou
omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de
determinado benefício.
4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a
quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a
parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo
público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da
Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos.
5. Ocorre que o dano sofrido pela parte ora recorrente de ordem material
não advém da perda de uma chance. Isso porque, no caso dos autos, os
recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não resta dúvidas.
Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos
públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente
estatal implicou efetivamente em prejuízo de ordem certa e determinada. A
questão assim deve continuar sendo analisada sob a perspectiva da
responsabilidade objetiva do Estado, devendo portanto ser redimensionado
o dano causado, e, por conseguinte, a extensão da sua reparação.
6. Assim, afastado o fundamento adotado pelo Tribunal a quo para servir
de base à conclusão alcançada, e, considerando que a mensuração da
extensão do dano é matéria que demanda eminentemente a análise do
conjunto fático e probatório constante, devem os autos retornarem ao
Tribunal de Justiça a quo a fim de que possa ser arbitrado o valor da
indenização nos termos do art. 944 do Código Civil.
7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido. (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.308.719 - MG (2011/0240532-2). RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES - SEGUNDA TURMA)
Para fins de complementação, tem-se, entretanto na doutrina, que a chance perdida deve ser séria ou real. A existência de um valor econômico desta chance perdida contribui para que o dano seja cognoscível. Além disso, o dano deve apresentar-se como um prejuízo certo para a vítima, isto é, a chance perdida deve repercutir de alguma forma em sua esfera patrimonial ou extrapatrimonial. Necessário, portanto, que se vislumbre claramente um dano em razão da expectativa frustrada.
Assertiva incorreta.
B)
a pessoa veja frustrada uma oportunidade, em futuro próximo, que ocorreria se as coisas seguissem normalmente.
Leciona Flávio Tartuce (Manual de direito civil - volume único):
"A perda de uma chance está caracterizada quando a pessoa vê frustrada uma expectativa, uma oportunidade futura, que, dentro da lógica do razoável, ocorreria se as coisas seguissem o seu curso normal. A partir dessa ideia (...), essa chance deve ser séria e real."
O STJ segue o entendimento de que para a reparação pela perda de uma chance deve ser comprovada privação "real e séria de chances, quando detectado que, sem a conduta do réu, a vítima teria obtido o resultado desejado."
RECURSO ESPECIAL. AÇÕES EM BOLSA DE VALORES. VENDA
PROMOVIDA SEM AUTORIZAÇÃO DO TITULAR. RESPONSABILIDADE
CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. DANO CONSISTENTE NA
IMPOSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO DAS AÇÕES COM MELHOR
VALOR, EM MOMENTO FUTURO. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DA
OPORTUNIDADE.
1. "A perda de uma chance é técnica decisória, criada pela jurisprudência
francesa, para superar as insuficiências da responsabilidade civil diante
das lesões a interesses aleatórios. Essa técnica trabalha com o
deslocamento da reparação: a responsabilidade retira sua mira da
vantagem aleatória e, naturalmente, intangível, e elege a chance como
objeto a ser reparado" (CARNAÚBA, Daniel Amaral. A responsabilidade civil
pela perda de uma chance: a técnica na jurisprudência francesa. In: Revista
dos Tribunais, São Paulo, n. 922, ago, 2012).
2. Na configuração da responsabilidade pela perda de uma chance não se
vislumbrará o dano efetivo mencionado, sequer se responsabilizará o
agente causador por um dano emergente, ou por eventuais lucros
cessantes, mas por algo intermediário entre um e outro, precisamente a
perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito
provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado.
3. No lugar de reparar aquilo que teria sido (providência impossível), a
reparação de chances se volta ao passado, buscando a reposição do que
foi. É nesse momento pretérito que se verifica se a vítima possuía uma
chance. É essa chance, portanto, que lhe será devolvida sob a forma de
reparação.
4. A teoria da perda de uma chance não se presta a reparar danos
fantasiosos, não servindo ao acolhimento de meras expectativas, que
pertencem tão somente ao campo do íntimo desejo, cuja indenização é
vedada pelo ordenamento jurídico, mas sim um dano concreto (perda de
probabilidade). A indenização será devida, quando constatada a privação
real e séria de chances, quando detectado que, sem a conduta do réu, a
vítima teria obtido o resultado desejado. (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.540.153 - RS (2015/0082053-9) - RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO - QUARTA TURMA)
Assertiva CORRETA.
C)
a pessoa veja frustrada uma oportunidade, mesmo em tempo distante, que ocorreria se as coisas seguissem normalmente.
Segundo Chartier, "a fim de nascer o direito a indenização por perda de uma chance, essa oportunidade deve ser atual, ou num futuro próximo, tendo em vista que quanto mais distante, menos possibilidades a pretensão teria de se concretizar. Além disso, a atualidade facilitaria a quantificação dos possíveis danos emergentes com a frustração da oportunidade." (CHARTIER, Yves. La réparation du préjudice dans la responsabilité. Paris: Dalloz, 1983.1983. p. 21-23)
Ora, conforme já exposto, a chance perdida deve ser séria ou real, a fim de que seja cognoscível, pois a falta de seriedade da chance, impede a concessão de indenização, e em tempo distante, se torna inviável a quantificação e certeza do dano. Vamos analisar um acórdão neste sentido:
RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE CHANCE DE PARTICIPAR DE SORTEIO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA AFASTADA. A certeza quanto à existência do dano, presente ou futuro, exigida como requisito de sua reparabilidade, não deve ser enfocada de forma absoluta, pois entre o dano certo, indenizável sempre, e dano eventual, não ressarcível, situa-se a denominada 'perda de chance', mas a pretensão indenizatória, pela perda de uma chance. Nasce da probabilidade de ganho na hipótese de conduta diversa do terceiro, não bastando a mera possibilidade. SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível nº 598.310.571, Relator Des. Mara Larsen Chechi, julgado em 07 abr 1999).
Perceba que mera possibilidade não faz nascer ao possível lesado, o direito de receber indenização. O caso em questão trata de uma pessoa que teve a possibilidade de participação de sorteio frustrada, todavia tais possibilidades não eram suficientes.
Assim, explora-se a necessidade de chances concretas, efetivas e sérias de perda de uma oportunidade, em um tempo atual ou futuro próximo.
Assertiva incorreta.
D)
a pessoa veja frustrada uma vitória judicial ou uma cura médica por qualquer erro do profissional.
Conforme já visto de forma exaustiva, a perda de uma chance consiste no direito à indenização não no possível resultado perdido, mas pela chance de consegui-lo. Sérgio Cavaliere Filho assim aduz em uma de suas obras:
"(...) a perda de uma chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma subespécie de dano emergente. Sustenta que a chance deve ser considerada uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão e que, ao se inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial)... Assim, não se concede a indenização pela vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo. (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.)
Assertiva incorreta.
E) possa importar na mitigação do nexo de causalidade.
Não há que se falar em mitigação do conceito de nexo causal, pois é patente a relação causal entre o fato danoso e a perda das chances. A relação de causalidade, aqui, não é analisada da conduta ao resultado final, pois não há condição necessária que interligue tais eventos. Por esse motivo, analisa-se, tão somente, se a conduta do réu constituiu condição necessária para a diminuição da probabilidade da vítima de auferir melhor condição.
Assertiva incorreta.
Gabarito do Professor: B
Bibliografia:
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 10ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CHARTIER, Yves. La réparation du préjudice dans la responsabilité. Paris: Dalloz, 1983.1983. p. 21-23.
Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2012.