Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles
velhos poetas de antigamente que sentiam frio na
alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma
saudade muito grande, uma saudade de noivo, e
penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer
tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece
que estou te embalando dentro de mim.
Ah, que vontade de escrever bobagens bem
meigas, bobagens para todo mundo me achar
ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou
aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem
assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje
não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor
teimoso de um menino, o amor burro e comprido de
um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que
estou envelhecendo rápida e definitivamente; com
esses cabelos brancos parece que não vou morrer,
apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando
menos nítido, estou parecendo um desses clichês
sempre feitos com fotografias antigas que os jornais
publicam de um desaparecido que a família procura
em vão.
Sim, eu sou um desaparecido cuja
esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma
página interior de jornal, eu sou o irreconhecível,
irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais
nunca, mas só tu sabes que em alguma distante
esquina de uma não lembrada cidade estará de pé
um homem perplexo, pensando em ti, pensando
teimosamente, docemente em ti, meu amor.
BRAGA, Rubem. A Traição das Elegantes . Rio de Janeiro:
Editora Sabiá. 1969, p. 112.