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ID
1785670
Banca
CRS - PMMG
Órgão
PM-MG
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                                                Corda sensível

pequena Maria, apertando na mão uma fatia de pão com manteiga, olhava extasiada. A cor azul escura da casimira, sob a claridade noturna que enchia a sala, modelava macieza de veludo e fingia reflexos de roxo. Nas ombreiras do fardão poisavam as dragonas maciças, de grande gala, com o seu chuveiro de torçais de ouro; e na frente o papo se escancarava, deixando ver a tela de croché, com que se costuma proteger as mobílias. A um lado corriam-lhe os oito botões, cada um crescido como um olho-de-boi...
Mas, quando a pequena deu com o empastamento de condecorações que encobria lado a lado o peito ao fardão, não pôde resistir ao chamariz, e pondo um joelho à beira do assento e com os bracinhos estirados agarrando-se aos braços da cadeira, subiu, apesar do balanço. As mangas da farda começaram então um movimento de pêndulo, roçando no tapete os canhões encastoados pelas pesadas divisas de coronel. O amor ao equilíbrio forçou a pequena Maria a ir com a mão ao tope da cadeira, e aí, olha lá manteiga pelas abas.
Acode naquela cabecinha castanha uma ligeira idéia de remorso, e o que há de mais simples é deixar as coisas como estavam. A esse tempo brilhavam no escuro da rua, à altura do peitoril da janela, os olhos da filha do cabo de ordens, que espiava para dentro, pode ser que arrastada pelo cheiro da ceia, cujos tirlintintins se ouvia. Que ótimo desvio! E as duas começaram a conversar-se na janela, como pessoas sisudas; bem entendido, a pequena do cabo de ordens comendo o enfastiado pão com manteiga, a célebre fatia.
No dia seguinte, quando a criada veio sacudir os móveis, caiu das nuvens, coitada! Cada rombo deste tamanho, afora uma porção de relidinhas, na casimira do fardão, de modo que a intertela e os recheios do peitilho estava tudo estripado e esbrugado. Conseqüência: um ódio entranhado aos ratos. Os cantos da casa povoaram-se de ratoeiras. Era um nunca acabar.
Pois, senhores, roerem a mais linda, a mais garbosa, a mais rica, a mais nobre farda da província?! Ah! se o coronel pudesse estrepar toda a ratagem unânime das nações na ponta de seu gládio!
Em um amanhecer de abril, sofrivelmente belo, a criada, deixando para mais tarde a visita às ratoeiras, aconteceu que ajuntaram-se à pequena Maria o pequeno Manuel e o caçula, e foram despescar, por sua conta e risco, as da despensa. O cabeça do motim, que todos sabem ser a senhora dona Maria, como lhe chama a mãe quando se enfeza, não teve mais o que fazer, e, cercada pelos dois bargados consócios, assentou-se no chão, depondo a ratoeira sobre o pano do vestido que se fazia entre as duas perninhas abertas.
A ratoeira não era mais de que uma cúpula de arame cozida a uma rodelazinha de pinho. Dentro, porém, havia era um bicho cinzento e uma porção de bichinhos vermelhos, da cor dos dedinhos do caçula: fenômeno raro, que provocou uma gritaria hilariante, aliás inconveniente, porque atrás acudiram a criada, a mamãe e até o coronel, a ver o que fazia aquela troça de quenquéns.
Maria estava metendo a mão para abocanhar a bicharada – em tempo de ser mordida! – e o Manuel procurava também se havia outro buraco onde ele pudesse meter a dele.
– Virgem Maria! – vozeava a criada.
– Isto é o diabo! – roncava o coronel.
Recuaram todas as mãos, e a curiosidade das criancinhas foi achar nos olhos delas o desejado e inviolável refúgio.
A mamãe, porém, encarando o caso, juntou as mãos enternecidamente, e, cobrindo o marido e os três filhinhos com um daqueles olhares que só em mulheres se depara, exclamou cheia de profundo sentimento materno:
– Espera, que é uma ratinha que deu à luz na ratoeira!
O duro militar ficou basbaque. Enquanto a rata puérpera, impunemente, pacatamente, com o salvo-conduto de sua boa estrela de mãe, Saia, como um anão no meio de enormes gigantes de conto de fada, e galgava novamente as prateleiras prenhes de queijo. A ninhada se amontoava no regaço da pequena Maria, - uma porção de bichinhos vermelhos, da cor das carnes tenras do caçula, cujo corpinho nu estava ali acocorado, a alma de criança aberta nuns olhos admirativos, exclamando com jubilosa admiração:
– Uói! - apontando para os ratinhos com o dedinho vermelho.

PAIVA, Manoel de Oliveira. Corda Sensível. Rio de Janeiro: Graphia, 1993.
Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos. Acessado em 30/10/2014.

Quanto ao uso dos pronomes, marque a alternativa CORRETA em que o pronome indefinido tem significação positiva.

Alternativas
Comentários
  • realmente, "algumas coisas são dificeis de intender", nao intendi essa questao :/

  • A palavra algumas se refere, de modo genérico, a um certo número de coisas. Podemos constatar isso por se tratar de um pronome indefinido, ou seja, não define o número exato.

  • Nobres, 

     

    Quanto ao uso dos pronomes, marque a alternativa CORRETA em que o pronome indefinido tem significação positiva.

     

     a)Algumas coisas são difíceis de entender. GABARITO.

     

     b)Afinal, não modificaremos coisa alguma ...

     

     c)Sei que você não precisa de coisa alguma.

     

     d)Em hipótese alguma deixarei de preparar-me para o concurso.

     

    É "simples"...

     

    Quando colocado antesposto ao substantivo, o pronome indefinido "algumas" tem valor positivo, pois, passa a sugerir, ainda que indefinidademente, que existe algo. No caso, fica claro que existe algo, existe "algumas coisas", "algumas coisas difíceis de entender".

     

    Ao contrário seria se a sentença fosse, por exemplo, "Coisa alguma é difícil de entender". Percebam que neste caso, o pronome indefinido está posposto ao substantivo, indicando que não há absolutamente nada que seja difícil de ser entendido. A significação, neste caso, é negativa. Tal raciocínio pode ser utilizados nas demais alternativas, conforme se percebe.

     

    Smj,

     

    Avante!

  • Buguei nessa questão :(

  • Fui substituindo os termos por "nenhuma" (caráter negativo). A única alternativa que não se encaixou foi a alternativa "A". Vejamos:

    A) Algumas coisas são difíceis de entender. (gabarito)

    B) Afinal, não modificaremos coisa nenhuma

    C) Sei que você não precisa de coisa nenhuma.

    D) Em nenhuma hipótese deixarei de preparar-me para o concurso.

    Obs: não sou gramático (muito pelo contrário), porém foi essa forma que encontrei para resolver a questão. Foco na missão!

  • Gabarito: A

    Questão que complica mais na compreensão do que efetivamente na resolução.

    Percebam que o enunciado pede o único termo com caráter positivo (ou, ao menos, não negativo).

    Analisando as alternativas, após identificarmos todos os pronomes indefinidos, chega-se à conclusão de que a única que obedece aos parâmetros é a alternativa A. Vejamos:

    b) Afinal, não modificaremos coisa alguma.

    Pronome indefinido -> Alguma

    Pode ser substituído por "nenhuma" -> Não modificaremos coisa nenhuma.

    c) Sei que você não precisa de coisa alguma.

    Pronome indefinido -> Alguma

    Pode ser substituído por "nenhuma" -> Não precisa de coisa nenhuma.

    d) Em hipótese alguma deixarei de preparar-me para o concurso.

    Pronome indefinido -> Alguma

    Pode ser substituído por "nenhuma" -> Em hipótese nenhuma.

    Por fim, vamos à resposta correta:

    a) Algumas coisas são difíceis de entender.

    Pronome indefinido -> Algumas

    Não pode ser substituído por nenhuma! Pelo contrário, traz a ideia de que pelo menos algumas coisas (viés positivo, +1 de coisa, de existência de itens) são de difícil compreensão.

  • e, nunca sabemos de tudo

  • a) Algumas (pode trocar por 'certas') coisas são difíceis de entender.

    'Certas' possui caráter positivo nesse contexto.