Leia a crônica “Ser Tudo", de Walcyr Carrasco, para responder
à questão.
Ao entrar na sala de um amigo, observo uma luminária
idêntica a um chifre. Ele a exibe, orgulhoso.
– Phillipe Starck1
. Só existem três no Brasil.
Atarraxo um sorriso de admiração. Como dizer que parece
o despojo2 de uma fantasia de Carnaval? Entusiasmado,
ele aconselha:
– Na loja havia uma cadeira de couro de vaca incrível,
assinada. Você precisa comprar.
– Mas não preciso de mais uma cadeira.
– É uma oportunidade única, e você vai jogar fora?
Suspiro. É impressionante como as pessoas dão valor a
grifes. Há bastante tempo vi uma linda carteira Louis Vuitton
com desenho quadriculado. Fui verificar. Meus documentos
não cabiam. O vendedor explicou:
– É que os documentos europeus são de tamanho menor.
Os nossos ficam sobrando.
Agradeci e ia sair da loja. Um amigo que me acompanhava
se escandalizou.
– Não vai levar?
– Onde vou botar minha identidade?
– Mas, quando você abrir a carteira, todo mundo vai notar.
É chique.
Sou do tipo que só compra quando gosta e espanto-me
quando vejo as pessoas se digladiando para ser elegantes.
É só observar a mania de conhecer vinhos. Se parte das
pessoas se dedicasse a estudar os gregos com o mesmo
afinco com que decora rótulos, teríamos um país de filósofos.
Guerra semelhante acontece entre os que se dizem conhecedores
de charuto. O fato é que a maioria seria incapaz de distinguir um cubano de um cigarro de palha do sítio. Respeito
os apreciadores das coisas boas da vida. Mas é terrível
ver alguém bebendo e fumando só para parecer o que não é,
nem precisa ser.
Inventaram até uma expressão para dizer que alguma
coisa é chique e imprescindível. Estava em uma famosa loja
de roupas masculinas. A gerente conversava com um rapaz
e comentou:
– Seu sapato é tudo.
O elogiado sorriu como se tivesse ganho a Mega-Sena.
– Eu sei. É mesmo. Tudo.
Como um sapato pode ser tudo?
Falando assim, parece que estou me referindo aos ricos
ou à classe média abastada. Coisa nenhuma. Muitas pessoas
gastam o pouco que ganham para ter roupa com etiqueta.
Quanto mais jovens, mais estritos3
: é preciso usar os tênis
que todos usam, botar o jeans, a calça. Caso contrário, serão
desdenhados como o patinho feio. Fico pensando: nessa
ânsia por ser especiais, as pessoas tornam-se idênticas. Ser
“tudo" acaba sendo um bom caminho para terminar em nada.
(VejaSP, 05.04.2000. Adaptado)
1. Phillipe Starck: designer francês
2. despojo: resto, sobra
3. estrito: rigoroso, exato
Assinale a alternativa em que o termo entre parênteses substitui o termo em destaque no trecho, sem alteração do sentido do texto.