SóProvas


ID
1804843
Banca
Quadrix
Órgão
CFP
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                                        Mineirinho

    É, suponho que é em mim, como um dos representantes de nós, que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora. E por que é que mais me adianta contar os treze tiros que mataram Mineirinho do que os seus crimes. Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto. Vi no seu rosto a pequena convulsão de um conflito, o mal-estar de não entender o que se sente, o de precisar trair sensações contraditórias por não saber como harmonizá-las. Fatos irredutíveis, mas revolta irredutível também, a violenta compaixão da revolta. Sentir-se dividido na própria perplexidade diante de não poder esquecer que Mineirinho era perigoso e já matara demais; e no entanto nós o queríamos vivo. [...]

    Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.

    Essa justiça que vela meu sono, eu a repudio, humilhada por precisar dela. Enquanto isso durmo e falsamente me salvo. Nós, os sonsos essenciais. Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. [...]

    Em Mineirinho se rebentou o meu modo de viver. [...] Sua assustada violência. Sua violência inocente — não nas consequências, mas em si inocente como a de um filho de quem o pai não tomou conta. Tudo o que nele foi violência é em nós furtivo, e um evita o olhar do outro para não corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça. A violência rebentada em Mineirinho que só outra mão de homem, a mão da esperança, pousando sobre sua cabeça aturdida e doente, poderia aplacar e fazer com que seus olhos surpreendidos se erguessem e enfim se enchessem de lágrimas. [...]

    A justiça prévia, essa não me envergonharia. Já era tempo de, com ironia ou não, sermos mais divinos; se adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo, porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de outro homem. E continuo a morar na casa fraca. Essa casa, cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. [...] o que me sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para dormir tranquila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e que nada há a fazer. [...] Feito doidos, nós o conhecemos, a esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e não como sonsos, o conhecemos. [...]

    Até que viesse uma justiça um pouco mais doida. Uma que levasse em conta que todos temos que falar por um homem que se desesperou porque neste a fala humana já falhou, ele já é tão mudo que só o bruto grito desarticulado serve de sinalização. Uma justiça prévia que se lembrasse de que nossa grande luta é a do medo, e que um homem que mata muito é porque teve muito medo. Sobretudo uma justiça que se olhasse a si própria, e que visse que nós todos, lama viva, somos escuros, e por isso nem mesmo a maldade de um homem pode ser entregue à maldade de outro homem: para que este não possa cometer livre e aprovadamente um crime de fuzilamento.

    Uma justiça que não se esqueça de que nós todos somos perigosos, e que na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular, um longamente guardado. [...]

                                                                                                                     Clarice Lispector                                                                                         (Disponível em ip.usp.br. Adaptado.)

Releia o primeiro parágrafo do texto e analise especialmente a frase que ali está em destaque, para então assinalar a seguir a alternativa que contenha comentários morfossintáticos corretos em relação à frase.

Alternativas
Comentários
  • a) ''Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto''.
          VTDI                      OI                                       OD                             -----> (pergunta algo a alguém)

    b) ''o que''   
          o -> pronome demostrativo  /  que -> pronome relativo

    c) Perguntei  ----> Pretério Perfeito do Indicativo
         Pensava   -----> Pretérito Imperfeito do Indicativo

    d) dois verbos  --> duas orações

    e) ''Perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto''.
          VTDI                      OI                                       OD                             -----> (pergunta algo a alguém)

     

  • Fazendo apenas uma correção no comentário da nossa colega Sil.

    B) Na frase, a palavra "que" classifica-se, morfologicamente, como conjunção integrante e, portanto, não tem função sintática.

    Erro do item está na colocação de que a conjução não tem função sintática, pois toda conjunção poderá ter a função sintática de:

    sujeito;ou 

    objeto direto ou indireto;ou

    predicativo;ou

    complemento nominal;ou

    aposto.

    Podemos claramente trocar a conjução "que" pela conjunção "isso".

    Perguntei isso a minha cozinheira ( na ordem direta).

     

     

     

  • Fazendo apenas uma pequena correção ao nosso colega W Borges:

    O "que" na altertiva B creio que seja, de fato, um pronome relativo. A substituição que você fez foi incorreta, pois o "que" é só uma parte do objeto direto, como destacou a colega que você corrigiu. 

    Eu indiquei para comentário porque não estou certo quanto à função sintática do termo em questão. De qualquer forma, não vejo motivo pra crer que o termo seja conjunção integrante.

  • Pessoal,vamos ter cuidado com os comentários ! Conjunção NÃO EXERCE FUNÇÃO SINTÁTICA!

  • Se não tivesse esse "o" na frente, acho que seria conj integrante, mas esse "o" forma com o "que" o termo "o que" = aquilo que. Se equivale a um pronome demonstrativo. Algumas gramáticas vêm falando que o pronome demonstrativo pode vir também como "o/a que"  é já vi em alguns comentários de professores tbm.

     

    Minha cozinheira (que)  pensava isso(o) sobre o assunto.

     

     

     

  • a) (incorreto) na frase "perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto", o verbo "perguntar" que é VTDI é complementado por um OI e um OD                            VTDI     OBJETO INDIRETO             OBJETO DIRETO 

     

    b) (incorreto) o "que" da frase "perguntei a minha cozinheira o que pensava sobre o assunto" não é uma conunção integrante. Conjunções integrantes iniciam orações subordinadas substantivas e, de fato, não exercem função sintática. Contudo, sempre (e isso é uma regra sem exceção) que o artigo definido vier acompanhado de "que" e puder ser substituído por "aquilo" e variações, o artigo será pronome demonstrativo e o "que"será pronome relativo. Observem:

    o que pensava sobre o assunto >>>> aquilo que pensava sobre o assunto  >>>> portanto, "o" = p. demonstrativo e "que" p. relativo

     

    c) (incorreto) os verbos "perguntei" e "pensava" estão, de fato, conjugados no mesmo modo indicativo, tadavia, o verbo "pensava" não está conjugado no pretérito perfeito,mas no imperfeito. O pretérito perfeito do indicativo do verbo pensar na 3ª pessoa seria "pensou"

     

    d) (incorreto), primeiramente, o número de orações sempre será igual ao número de verbos, à exceção das locuções verbais que valem por um, o que não é o caso. Além disso, não tem verbo na forma nominal de infinitivo na oração.

     

    e) (gabarito) como dito anteriormente sempre que o artigo definido vier acompanhado de "que" e puder ser substituído por "aquilo" e variações, o artigo será pronome demonstrativo. Posto isso, é preciso analisar a função sintática que o pronome demonstrativo exerce na frase. Para isso é preciso isolar a oração que contém o pronome demonstrativo. Temos então:

    perguntei a minha cozinheira o / que pensava sobre o assunto

    Em seguida, é preciso substituir o pronome demonstrativo por "aquilo" ou variações:

    perguntei a minha cozinheira aquilo >>>> colocando na ordem direta temos: perguntei aquilo a minha cozinheira. Procedendo à análise sintática:

     

    (eu) perguntei aquilo a minha cozinheira

    SUJ.    VTDI       OD                 OI

     

  •                       Marilia sousa 

    conjunção exerce função sintatica sim !

    no caso da letra B o QUE é conjunção integrante sim porém,  a questão diz que não tem função sintatica . tem sim 

    Dá-se o nome de conjunção integrante a cada uma das conjunções que iniciam as orações subordinadas com função sintática de sujeito, objeto direto ou indireto, predicativo, complemento nominal, ou aposto de outra oração (são elas: que, se).

     

    Fonte : http://dilsoncatarino.blogspot.com/2008/04/conjuno-integrante.html

  • Acertei por eliminação