Outras razões para a pauta negativa
Venício A. Lima
O sempre interessante Boletim UFMG, que traz, a cada semana, notícias do dia a dia da Universidade Federal de Minas
Gerais, informa, na edição de 4 de maio, o trabalho desenvolvido por grupo de pesquisa do Departamento de Ciência da Computação
(DCC) em torno da “análise de sentimento", que relaciona o sucesso das notícias com sua polaridade, negativa ou positiva.
Utilizando programas de computador desenvolvidos pelo DCC-UFMG, foram identificadas, coletadas e analisadas 69.907
manchetes veiculadas em quatro sites noticiosos internacionais ao longo de oito meses de 2014: The New York Times, BBC, Reuters
e Daily Mail. E as notícias foram agrupadas em cinco grandes categorias: negócios e dinheiro, saúde, ciência e tecnologia, esportes
e mundo. As conclusões da pesquisa são preciosas.
Cerca de 70% das notícias diárias estão relacionadas a fatos que geram “sentimentos negativos" – tais como catástrofes,
acidentes, doenças, crimes e crises. Os textos das manchetes foram relacionados aos sentimentos que elas despertam, numa escala
de menos 5 (muito negativo) a mais 5 (muito positivo). Descobriu-se que o sucesso de uma notícia, vale dizer, o número de vezes
em que é “clicada" pelo eventual leitor está fortemente vinculado a esses “sentimentos" e que os dois extremos – negativo e positivo
– são os mais “clicados". As manchetes negativas, todavia, são aquelas que atraem maior interesse dos leitores.
Embora realizado com base em manchetes publicadas em sites internacionais – não brasileiros –, os resultados do trabalho
dos pesquisadores do DCC-UFMG nos ajudam a compreender a predominância do “jornalismo do vale de lágrimas" na grande mídia
brasileira.
Para além da partidarização seletiva das notícias, parece haver também uma importante estratégia de sobrevivência
empresarial influindo na escolha da pauta negativa. Os principais telejornais exibidos na televisão brasileira, por exemplo, estão se
transformando em incansáveis noticiários diários de crises, crimes, catástrofes, acidentes e doenças de todos os tipos. Carrega-se,
sem dó nem piedade, nas notícias que geram sentimentos negativos. Mais do que isso: os âncoras dos telejornais, além das notícias
negativas, se encarregam de editorializar, fazer comentários, invariavelmente críticos e pessimistas, reforçando, para além da
notícia, exatamente seus aspectos e consequências funestos.
Existe, sim, o risco do esgotamento. Cansado de tanta notícia ruim e sentindo-se impotente para influir no curso dos eventos,
pode ser que o leitor/telespectador afinal desista de se expor a esse tipo de jornalismo que o empurra cotidianamente rumo a um
inexorável “vale de lágrimas" mediavalesco.
Adaptado de <http://observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-ebates/outras-razoes-para-a-pauta-negativa/>. Acesso em 19 mai. 2015.
Ao criar o termo mediavalesco que finaliza o texto, o autor associa a media/mídia ao termo medievalesco, ou seja, relativo à Idade Média. Sua intenção, com isso, é ressaltar um aspecto dos meios de comunicação que poderia ser resumido pelo termo: