Foi a prática clínica que ensinou a Freud o que ele deixou de legado sobre a agressividade. Rastrear o assunto em sua obra é dispor-se, então, a uma árdua tarefa. Significa deparar-se com a constituição do eu/não-eu, prazer/desprazer, amor/ódio, ideal do eu/eu ideal, auto-erotismo, narcisismo, sadismo, masoquismo e, principalmente, com a tendência restituitória e a pulsão de morte. A pulsão de morte no humano, revela uma tendência de retorno à ordem inanimada, pois o objetivo de toda vida é a morte. Em vista disso, as interações humanas já não se apresentam simples. Exigem um grande esforço. Com efeito, a pulsão de morte foi a forma encontrada por Freud para dizer que o sujeito se edifica sobre um fundo que supõe destruição. O masoquismo primário, mencionado em “Além do princípio do prazer” (Freud, 1920/1974) e desenvolvido quatro anos depois, no artigo “O problema econômico do masoquismo” (Freud, 1924/1974), é um exemplo da expressão de que a vida é prisioneira da morte.
Vamos buscar a resposta para a questão direto em Freud:
"O nome “libido" pode mais uma vez ser aplicado às expressões de força de
Eros, para diferençá-las da energia do instinto de morte. Devemos admitir
que nos é bem mais difícil apreender este último, que com ele atinamos, em
certa medida, apenas como resíduo por trás de Eros, e que ele furta-se a nós,
quando não é revelado pela fusão com Eros. É no sadismo, em que ele modifica a seu favor a meta erótica, mas não deixa de satisfazer plenamente o ímpeto sexual, que atingimos a mais clara compreensão de sua natureza e de sua
relação com Eros. Mas também ali onde surge sem propósito sexual, ainda na mais cega fúria destruidora, é impossível não reconhecer que sua satisfação está ligada a um prazer narcísico extraordinariamente elevado, pois mostra ao Eu, a realização de seus antigos desejos de onipotência. Domado e moderado, como que inibido em sua meta, o instinto de destruição deve, dirigido para os
objetos, proporcionar ao Eu a satisfação das suas necessidades vitais e o domínio sobre a natureza. Como a hipótese dele está baseada essencialmente em razões teóricas, é preciso admitir que também não se acha inteiramente a
salvo de objeções teóricas. Mas é assim que as coisas se nos apresentam, no estado atual de nossa compreensão; a pesquisa e a reflexão futuras trarão certamente a luz decisiva.
Portanto, em tudo o que segue me atenho ao ponto de vista de que o pendor à agressão é uma disposição de instinto original e autônoma do ser humano, e retorno ao que afirmei antes, que a civilização tem aí o seu mais poderoso obstáculo. No curso desta investigação, impôs-se-nos a ideia de que a
cultura é um processo especial que se desenrola na humanidade, e nós continuamos sob o influxo dessa ideia. Acrescentemos que é um processo a serviço de Eros, que pretende juntar indivíduos isolados, famílias, depois etnias, povos e nações numa grande unidade, a da humanidade. Por que isso teria
de ocorrer não sabemos; é simplesmente a obra de Eros. Essas multidões humanas devem ser ligadas libidinalmente entre si; a necessidade apenas, as vantagens do trabalho em comum não as manterão juntas. Mas a esse programa da
cultura se opõe o instinto natural de agressão dos seres humanos, a hostilidade
de um contra todos e de todos contra um. Esse instinto de agressão é o derivado e representante maior do instinto de morte, que encontramos ao lado de
Eros e que partilha com ele o domínio do mundo, o sentido
da evolução cultural já não é obscuro para nós. Ela nos apresenta a luta entre
Eros e morte, instinto de vida e instinto de destruição, tal como se desenrola na
espécie humana.
Freud, S. O mal-Estar na civilização
(Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago, 1929.
GABARITO: D