SóProvas


ID
1864138
Banca
IDECAN
Órgão
Prefeitura de Natal - RN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Quem sabe Deus está ouvindo 

    Outro dia eu estava distraído, chupando um caju na varanda, e fiquei com a castanha na mão, sem saber onde botar. Perto de mim havia um vaso de antúrio; pus a castanha ali, calcando-a um pouco para entrar na terra, sem sequer me dar conta do que fazia. 
   Na semana seguinte a empregada me chamou a atenção: a castanha estava brotando. Alguma coisa verde saía da terra, em forma de concha. Dois ou três dias depois acordei cedo, e vi que durante a noite aquela coisa verde lançara para o ar um caule com pequenas folhas. É impressionante a rapidez com que essa plantinha cresce e vai abrindo folhas novas. Notei que a empregada regava com especial carinho a planta, e caçoei dela:
– Você vai criar um cajueiro aí? 
Embaraçada, ela confessou: tinha de arrancar a mudinha, naturalmente; mas estava com pena.
– Mas é melhor arrancar logo, não é? 
    Fiquei em silêncio. Seria exagero dizer: silêncio criminoso – mas confesso que havia nele um certo remorso. Um silêncio covarde. Não tenho terra onde plantar um cajueiro, e seria uma tolice permitir que ele crescesse ali mais alguns centímetros, sem nenhum futuro. Eu fora o culpado, com meu gesto leviano de enterrar a castanha, mas isso a empregada não sabe; ela pensa que tudo foi obra do acaso. Arrancar a plantinha com a minha mão – disso eu não seria capaz; nem mesmo dar ordem para que ela o fizesse. Se ela o fizer darei de ombros e não pensarei mais no caso; mas que o faça com sua mão, por sua iniciativa. Para a castanha e sua linda plantinha seremos dois deuses contrários, mas igualmente ignaros: eu, o deus da Vida; ela, o da Morte.
    Hoje pela manhã ela começou a me dizer qualquer coisa – “seu Rubem, o cajueirinho...”– mas o telefone tocou, fui atender, e a frase não se completou. Agora mesmo ela voltou da feira; trouxe um pequeno vaso com terra e transplantou para ele a mudinha. Veio me mostrar:
– Eu comprei um vaso...
– Ahn...
Depois de um silêncio, eu disse:
– Cajueiro sente muito a mudança, morre à toa...
Ela olhou a plantinha e disse com convicção:
– Esse aqui não vai morrer, não senhor.
   Eu devia lhe perguntar o que ela vai fazer com aquilo, daqui a uma, duas semanas. Ela espera, talvez, que eu o leve para o quintal de algum amigo; ela mesma não tem onde plantá-lo. Senti que ela tivera medo de que eu a censurasse pela compra do vaso, e ficara aliviada com a minha indiferença. Antes de me sentar para escrever, eu disse, sorrindo, uma frase profética, dita apenas por dizer: 
– Ainda vou chupar muito caju desse cajueiro.
Ela riu muito, depois ficou séria, levou o vaso para a varanda, e, ao passar por mim na sala, disse baixo com certa gravidade: 
– É capaz mesmo, seu Rubem; quem sabe Deus está ouvindo o que o senhor está dizendo...
Mas eu acho, sem falsa modéstia, que Deus deve andar muito ocupado com as bombas de hidrogênio e outros assuntos maiores. 

(BRAGA, Rubem, 1993-1990. 200 crônicas escolhidas – 31ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2010.) 

De acordo com o sentido global do texto, o segmento que contém, em destaque, o mote desencadeador para a escrita dessa crônica é:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito A. Alguém pode explicar que gabarito é esse? IDECAN alopra.

  • O autor do texto, despretensiosamente plantou a semente do caju em uma vaso perto. Ação que por si só já tinha um fim até que .... A empregada lhe chamará a atenção: "A castanha estava brotando" desencadeando assim os eventos do texto.
  • Essa banca é aloprada mesmo! 

  • Na letra "D", que poderia gerar uma confusão de gabarito, ele diz: "pus a castanha ali, calcando-a um pouco para entrar na terra, sem sequer me dar conta do que fazia.”
    Nesse caso, apesar de ser uma ação importante, ainda não é a mais relevante para a crônica, pois a castanha ainda poderia brotar ou não.

    Na letra "A", temos: "a empregada me chamou a atenção: a castanha estava brotando.” Toda a crônica se desenrola a partir de a castanha de caju ter brotado e criado vida. Esse é o fato que traz todos os subsequentes. Por isso a letra "A" é o gabarito.

    Sugiro que estejamos atentos às questões da IDECAN, no sentido de fazer uma análise bastante minuciosa e tentar ampliar a percepção e interpretação, já que a banca tem uma forma bastante estranha de cobrar as questões.

  • MOTE = Estrofe que, localizada no início de uma composição poética, é utilizada como razão da obra, desenvolvendo o tema do poema.

  • Essa mesma questão, foi para o cargo de nutricionista, desta mesma instituição, e no gabarito a resposta é a letra D. achei estranho, porque quando fui responder aqui em casa, no papel, eu tbm havia marcado a alternativa A... E agora, qual será a correta?

  • complementando o que a Gabriela Lyrio falou:

    No enunciado a questão deixa explícito "o segmento que contém, EM DESTAQUE.." ,ou seja, colegas pela interpretação nota-se que vai ter mais de um item que apresenta esse " mote desencadeador", no entanto o enunciado pede o que contém em destaque.

    Fazendo um confrontamento entre a alternativa A e D, nota-se que o fato da planta ter brotado que fez ocasionar toda a reflexão se deixa a plantinha viver ou não, pois esse foi o tema central abordado pelo o texto.

     

  • Faz sentido, até pq todo o desencandear da cronica se deu não após o plantar da castanha, mas sim após ela ter brotado, e em torno do brotar dela que gerou todo o resto do texto.

  • Bom.. como que a planta vai brotar sem que se tenha colocado a semente?

    O que desencadeou a porra da planta não foi o fato de semeá-la?

    Enfim, há questões da IDECAN onde se deve ir direto na superficialidade e outras nas quais se deve extrapolar e ter a visão além do alcance.. vai saber

  • No gabarito preliminar a banca lançou a alternativa D, porém no gabarito definitivo após recursos houve alteração para letra A. 

  • Que banca buceta.

  • que louco esse examinador a D é a correta, pois por  a castanha ali, calcando-a um pouco para entrar na terra, sem sequer
    me dar conta do que fazia. 
    é a gensse da hístoria. 

  • Pelo menos fez refletir sobre as consequências dos nossos atos!
     

  • MUITO SUBJETIVO.  o que fez a crônica ter sido escrita ora foi primeiro de tudo ele ter colocado a semente no POTE. afffffffff. até pensei em marcar letra A........mas a crônica ñ teria acontecido se ele ñ tivesse plantado affff

  • no mínimo deveria ter 2 respostas.

    vcs tem que concordar que a crônica ñ seria escrita se o autor ñ tivesse plantado a semente....e tbm ñ teria sido escrita se ela ñ tivesse brotado.  então claramente tem duas opções corretas. sem mais.

  • Baixe essa prova e no gabarito da banca está correta a letra D.