SóProvas


ID
1903492
Banca
FUNCAB
Órgão
SEGEP-MA
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                 A Repartição dos Pães

      Era sábado e estávamos convidados para o almoço de obrigação. Mas cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não queríamos. Cada um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do desejo. Eu, eu queria tudo. E nós ali presos, como se nosso trem tivesse descarrilado e fôssemos obrigados a pousar entre estranhos. Ninguém ali me queria, eu não queria a ninguém. Quanto a meu sábado - que fora da janela se balançava em acácias e sombras - eu preferia, a gastá-lo mal, fechá-la na mão dura, onde eu o amarfanhava como a um lenço. À espera do almoço, bebíamos sem prazer, à saúde do ressentimento: amanhã já seria domingo. Não é com você que eu quero, dizia nosso olhar sem umidade, e soprávamos devagar a fumaça do cigarro seco. A avareza de não repartir o sábado, ia pouco a pouco roendo e avançando como ferrugem, até que qualquer alegria seria um insulto à alegria maior.

      Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite. Ela, no entanto, cujo coração já conhecera outros sábados. Como pudera esquecer que se quer mais e mais? Não se impacientava sequer com o grupo heterogêneo, sonhador e resignado que na sua casa só esperava como pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem - menos ficar naquela estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo para outros, outros cavalos.

      Passamos afinal à sala para um almoço que não tinha a bênção da fome. E foi quando surpreendidos deparamos com a mesa. Não podia ser para nós...

      Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado e que não viera? Mas éramos nós mesmos. Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos.

      A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas [...]. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse.

      Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera - mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar - um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite, como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho, quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante de nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. Tudo como é, não como quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um sábado. Assim como apenas existe. Existe.

      Em nome de nada, era hora de comer. Em nome de ninguém, era bom. Sem nenhum sonho. E nós pouco a pouco a par do dia, pouco a pouco anonimizados, crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então, como fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.

      Não havia holocausto: aquilo tudo queria tanto ser comido quanto nós queríamos comê-lo. Nada guardando para o dia seguinte, ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que me fazia sentir. Era um viver que eu não pagara de antemão com o sofrimento da espera, fome que nasce quando a boca já está perto da comida. Porque agora estávamos com fome, fome inteira que abrigava o todo e as migalhas. [...]

      E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos.

      Pão é amor entre estranhos.

         LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Em “Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse./ Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera - mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar - um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços.” os elementos não possuem significação literal. Um ramo de trigo, por exemplo, contextualmente, traduz a ideia de:

Alternativas
Comentários
  • Tudo como é, não como quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um sábado. Assim como apenas existe. Existe. O Dom da Vida - acho que esse trecho descreve bem a resposta. 

  • Essa banca só pode ser brincadeira mesmo.

     

  • Queria ver a cara dos Agentes Penitenciários interpretando essa p.... kkkkkkk os cara doido pra sentar a peia... kkkkkk

  • Não é uma banca séria. Mas quem se submeter a um prova dessas tem o conforto de saber que é para todo mundo. Favorece ao chute e a respostas incosncientes, de forma que prejudica as pessoas que estudam e que se preparam. É uma caso a se pensar, viajar e gastar dinheiro para fazer uma prova de uma institução de baixima qualidade dessas.

  • 6º parágrafo:

    "Junto do prato de cada mal-convidado,..." 

  • Prova para professor de língua portuguesa.   kkkkkkkkk
    Isso é para o "ESTADO" lucrar com as inscrições e economizar com as não aprovações.

  • Que fóda em !!

  • Essa Banca tem dificuldades peculiares, mas isso é para todos. Sempre consegue quem não desiste. 

  • Indiquem para comentário do professor. Estou curioso para saber o que o professor dirá sobre esse quesito.

  • Falou bonito, Carlos. Era isso que eu precisava escutar (no caso ler rsr). Obrigado!

  • Remete a uma passagem da biblia. um agente pastor, rapidamente, saberia que é um "dom da vida". Enfim tem que ter um dom da vida divina mesmo para acertar uma questão dessa, estudo nessa questão é para os fracos.! 

  • "dom da vida", questão bem peculiar para os catadores de cabeças.

  • concordo com os colegas, a banca precisa ser mais clara em suas questões, isso não avalia um candidato! 

  • queria realmente saber como um sujeito acerta uma questão dessa a não ser no chute. alguém sabe a justificativa da banca para uma questão dessas??

     

  • Tradição Judeu!

  • PALHAÇADA!! o comando da questão diz: "os elementos não possuem significação literal" 

  • Eles querem um agente penitenciario ou professor de literatura?
  • realmente nao tem muita lógica, mas por eliminação da pra ter uma ideia ( fora o pensamento biblico)

    a) materialidade -> ela nao esta materializando nada no texto

    c) enraizamento -> a todo momento ela disse que "partiriam em qualquer trem"

    d) alimento do corpo -> acredito que pelo carater do texto essa nao faz muito sentido, pois "almoçavam por obrigação"

    e) permanencia interior -> no final do texto o pessoal muda de ideia e decide comer, então a permanencia interior nao foi mantida

    enfim, funcab nao tem pé nem cabeça, pior que portugues só as questoes de dpenal