SóProvas


ID
1979905
Banca
AOCP
Órgão
Sercomtel S.A Telecomunicações
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Perdoar e esquecer

Quando a vida se transforma num tango, é difícil não dançar ao ritmo do rancor

                                                                                                                                        Ivan Martins

Hoje tomei café da manhã num lugar em que Carlos Gardel costumava encontrar seus parceiros musicais por volta de 1912. É um bar simples, na esquina da rua Moreno com a avenida Entre Rios, chamado apropriadamente El Encuentro.

Nunca fui fã aplicado de tango, mas cresci ouvindo aqueles que a minha mãe cantava enquanto se movia pela casa. Os versos incandescentes flutuam na memória e ainda me emocionam. Soprado pelo fantasma de Gardel, um deles me veio aos lábios enquanto eu tomava café no El Encuentro: “Rechiflado en mi tristeza, te evoco y veo que has sido...”

Vocês conhecem Mano a mano, não?

Essencialmente, é um homem falando com a mulher que ele ama e que parece tê-lo trocado por uma vida melhor. Lembra, em espírito, o samba Quem te viu, quem te vê, do Chico Buarque, mas o poema de Gardel é mais ácido e rancoroso. Paradoxalmente, mais sutil. Não se sabe se o sujeito está fazendo ironia ou se em meio a tantas pragas ele tem algum sentimento generoso em relação à ex-amante. Nisso reside o apelo eterno e universal de Mano a mano – não é assim, partido por sentimentos contraditórios, que a gente se sente em relação a quem não nos quer mais?

Num dia em que estamos solitários, temos raiva e despeito de quem nos deixou. No outro dia, contentes e acompanhados, quase torcemos para que seja feliz. O problema não parece residir no que sentimos pelo outro, mas como nos sentimos em relação a nós mesmos. Por importante que tenha sido, por importante que ainda seja, a outra pessoa é só um espelho no qual projetamos nossos sentimentos – e eles variam como os sete passos do tango. Às vezes avançam, em outras retrocedem. Quando a gente acha que encontrou o equilíbrio, há um giro inesperado.

Por isso as ambiguidades de Mano a mano nos pegam pelas entranhas. É difícil deixar para trás o sentimento de abandono e suas volúpias. É impossível não dançar ao ritmo do rancor. Há uma força enorme na generosidade, mas para muitos ela é inalcançável. Apenas as pessoas que gostam muito de si mesmas são capazes de desejar o bem do outro em circunstâncias difíceis. A maioria de nós precisa ser amada novamente antes de conceder a quem nos deixou o direito de ser feliz. Por isso procuramos com tanto afinco um novo amor. É um jeito de dar e de encontrar paz.

No último ano, tenho ouvido repetidamente uma frase que vocês já devem ter escutado: Não se procura um novo amor, a gente simplesmente o encontra. O paradoxo é bonito, mas me parece discutível. Supõe que o amor é tão acidental quanto um tropeção na calçada. Eu não acho que seja. Imagina que a vontade de achar destrói a possibilidade de encontrar. Isso me parece superstição. Implica em dizer que se você ficar parado ou parada as coisas virão bater na sua porta. Duvido. O que está embutido na frase e me parece verdadeiro é que não adianta procurar se você não está pronto – mas como saber sem procurar, achar e descobrir que não estava pronto?

É inevitável que a gente cometa equívocos quando a vida vira um tango. Nossa carência nos empurra na direção dos outros, e não há nada de errado nisso. É assim que descobrimos gente que será ou não parte da nossa vida. Às vezes quebramos a cara e magoamos os outros. O tango prossegue. O importante é sentir que gostam de nós, e que nós somos capazes de gostar de novo. Isso nos solta das garras do rancor. Permite olhar para trás com generosidade e para o futuro com esperança. Não significa que já fizemos a curva, mas sugere que não estamos apenas resmungando contra a possibilidade de que o outro esteja amando. Quando a gente está tentando ativamente ser feliz, não pensa muito no outro. Esse é o primeiro passo para superar. Ou perdoar, como costuma ser o caso. Ou esquecer, como é ainda melhor.

No primeiro verso de Mano a mano, Gardel lança sobre a antiga amante a maldição terrível de que ela nunca mais voltará a amar. Mas, ao final da música, rendido a bons sentimentos, oferece ajuda e conselhos de amigo, quando chegar a ocasião. Acho que isso é o melhor que podemos esperar de nós mesmos. Torcer mesquinhamente para jamais sermos substituídos - mas estarmos prontos para aceitar e amparar quando isso finalmente, inevitavelmente, dolorosamente, vier a acontecer.

(Disponível em: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2016/01/perdoar-e-esquecer.html)

De acordo com o texto, é correto afirmar que

Alternativas
Comentários
  • Somente aquelas pessoas que possuem amor próprio

  • "Apenas as pessoas que gostam muito de si mesmas são capazes de desejar o bem do outro em circunstâncias difíceis."

     

    Vamos na fé.

  • a) a tentativa de esquecer um amor nunca é eficaz, pois é preciso recordar os erros do(a) companheiro(a) a fim de que não ocorram novamente. Errado ( no texto não apresenta relevâncias do erro do companheiro(a))

     

    b) os sentimentos de raiva e despeito são unicamente culpa daquele que abandonou seu/ sua companheiro(a), e não reside em quem foi abandonado Errado ( veja que no texto trata "temos raiva e despeito de quem nos deixou. No outro dia, contentes e acompanhados, quase torcemos para que seja feliz. O problema não parece residir no que sentimos pelo outro, mas como nos sentimos em relação a nós mesmos)

     

    c) o autor concorda com a ideia expressa por muitas pessoas de que o amor é acidental, simplesmente se encontra. Errado (veja no texto "Não se procura um novo amor, a gente simplesmente o encontra. O paradoxo é bonito, mas me parece discutível. Supõe que o amor é tão acidental quanto um tropeção na calçada. Eu não acho que seja." o próprio autor expressa sua opinião"

     

    d) não é aceitável que se cometam erros quando a vida muda de rumo inesperadamente; é preciso assumir as consequências. Errado (veja no texto "É inevitável que a gente cometa equívocos quando a vida vira um tango. Nossa carência nos empurra na direção dos outros, e não há nada de errado nisso.") 

     

    e) somente aquelas pessoas que possuem amor próprio estão aptas a desejar o bem em situações complicadas. CERTA ( veja no texto "Apenas as pessoas que gostam muito de si mesmas são capazes de desejar o bem do outro em circunstâncias difíceis.")

  • o texto mostra uma finalidade que para muitos ela é inalcançavel. apenas as pessoas que gostam muito de si mesmas sao capazes de desejar o bem do outro em circuntancias dificies.

  • O texto mais lindo que eu já vi.

  • Caramba,que texto massa.  

  • SHOW.

    gabarito= E

  • Vá e vença. Que, por vencido, não o conheçam.

  • Adorei esse texto!

  •  

    Resposta correta E 

    Eu sigo uma dica IMPORTANTE de uma professora de português: leia a quiestão e as alternativas, antes de ler o texto, pois às vezes nem será preciso ler todo o texto

    A alternativa E traz uma paráfrase da frase (3º parágrafo): Apenas as pessoas que gostam muito de si mesmas são capazes de desejar o bem do outro em circunstâncias difíceis